Finados 2023
Parece-me que a data de hoje, dedicada a Todos os Santos, já foi um dia santificado. Em todo o caso, era uma data religiosa especial para a igreja católica. Além das cerimônias religiosas, as pessoas aproveitavam a folga do trabalho para ir ao cemitério. O costume secular evocava, ordenava até e as mulheres, aquelas santas donas de casa e mães de muitos filhos, não deixavam de ir ao cemitério para limpar as sepulturas e ornamentá-las com flores brancas – lírios, margaridas, copos-de-leite e crisântemos – símbolos da paz e do descanso eterno.
Era uma preparação para o dia seguinte – Finados – feriado universal dedicado ao culto dos mortos. Hoje, mulheres ainda vão ao cemitério, principalmente as representantes daquela geração de servas do lar, fiéis cumpridoras da promessa ao pé do altar e de tudo por amor à família.
Os costumes mudaram, mas a verdade é que não desapareceram. Amanhã, muita gente levará flores e acenderá velas nas sepulturas dos seus entes queridos. Eu serei um deles. Depois que envelheci, talvez por estar aposentado e ter mais tempo para pensar na vida, passei a me lembrar mais dos familiares já falecidos.
Então, irei aos cemitérios de Tijucas e, em seguida, ao antigo cemitério de São Miguel, em Biguaçu, onde estão sepultados meus avós e meus pais. Neste pequeno cemitério, estão enterradas famílias de açorianos que vieram povoar o litoral catarinense, a partir da segunda metade do século 18, a maioria para viver da pesca artesanal e buscar, nas águas salgadas de um mar nem sempre tranquilo, o peixe-sustento da família. Navegavam mar adentro, em canoas feitas de um pau só de garapuvu que, nesta época de finados, já está a florir para pontear as encostas da nossa Serra do Mar com belos topetes dourados.
Não levarei flores de plástico porque, em vida, eles sempre cultivaram flores nos jardins da nossa casa, essas preciosas obras de arte da natureza que, assim como nós, nascem, vivem mais ou menos tempo, exalam os seus delicados perfumes e depois fenecem, cumprindo o inexorável ciclo da vida.
Herdeiros que somos da cultura judaico-cristã, visitando cemitérios ou longe das sepulturas, amanhã lembraremos com tristeza e pesar dos nossos familiares e amigos já falecidos. Tem sido assim, desde os primórdios do cristianismo, que pode ter sua origem na narrativa bíblica da dolorosa e sofrida morte de Cristo, a caminho do calvário.
É claro que nem todos são ou se consideram velhos. Para os mais jovens, o Dia de Finados não significa compromisso com cemitério. Os que podem botar os pés ou os pneus na estrada partirão amanhã para mais uma viagem de lazer. E, se houver tempo, os seus mortos serão lembrados em breves instantes ao volante de um automóvel, nas asas de um avião ou em divertidos jantares.