João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Golpismo ou Vandalismo?

João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Golpismo ou Vandalismo?

João José Leal

Se vivemos numa democracia, não se pode defender os atos de vandalismo praticados contra o patrimônio público no dia 8 de janeiro passado. Refiro-me àquelas pessoas que, num ato tresloucado e sem qualquer sentido, invadiram as sedes do parlamento, do STF e do executivo, para quebrar, danificar, enfim, destruir um patrimônio pertencente à coletividade. Os chefes dos três poderes oficializaram o discurso e parte da imprensa engrossou a narrativa de que, naquele fatídico 8 de janeiro, teria ocorrido uma intolerável tentativa de golpe de Estado, que precisa ser severamente reprimida.

O rigor judicial não se fez por esperar. Quase 2 mil manifestantes foram presos e a lista não para de crescer, por força do poder da caneta carcerária de um magistrado da suprema corte que mais parece um juiz criminal de primeiro grau. Muitos permanecem incomunicáveis e sem direito à visita de familiares, mesmo aqueles que negam a participação nos atos de invasão e depredação.

Salvo por meio de uma discutível hermenêutica que privilegie a política em detrimento do direito e da justiça penal, a análise isenta dos fatos não pode chancelar a narrativa oficial de que teria ocorrido uma tentativa de golpe para derrubar o atual presidente da República. É evidente que todos os manifestantes devem ser responsabilizados pelo crime de dano qualificado ou outra infração penal comum. No entanto, não se pode afirmar, como quer o ministro Alexandre de Moraes, que os manifestantes tentaram abolir o Estado Democrático de Direito.

Segundo o Código Penal, este grave crime somente ocorre “com o emprego de violência ou grave ameaça” que venha a “impedir o exercício dos poderes constitucionais”. Ora, as milhares de imagens dos atos de vandalismo mostram que nenhum manifestante portava sequer uma faca na cintura, muito menos um fuzil ou uma metralhadora. Não se promove golpe de Estado quebrando portas e vidraças, destruindo esculturas e rasgando pinturas. Era, sim, um bando de civis desarmados, inconformados com o resultado da eleição, reunidos num protesto sem objetivo claro de abolir a nossa democracia.

Também não se pode dizer que os poderes estatais foram impedidos de funcionar. Ao contrário, durante todo o tempo em que foram praticados os condenáveis atos de vandalismo, as instituições estatais se mantiveram e continuam em pleno funcionamento. Os próprios chefes dos três poderes reconhecem, inclusive, que o Estado democrático de direito continua mais forte ainda.

É possível que os manifestantes quisessem que as forças armadas praticassem um golpe de Estado. No entanto, o ministro Moraes sabe muito bem que a intenção ou a mera cogitação, por mais que seja censurável, não configura crime de qualquer espécie. Além disso, diz o CP que não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio, é impossível consumar-se o crime. Ora, os atos praticados jamais poderiam consumar o grave crime que agora está sendo imputado aos manifestantes, pois em nenhum momento os militares admitiram a aventura de um golpe de Estado. A verdade é que um golpe de Estado só pode ocorrer por meio de uma ação armada e organizada de militares ou civis.

Por isso, os brasileiros hoje processados e presos pelo ministro Moraes merecem o mesmo tratamento dado àqueles que, em setembro de 2016, quiseram impedir a posse de Michel Temer na presidência da República. Aquela, foi uma manifestação tão grave e violenta quanto essa última de 8 de janeiro. No entanto, ninguém foi processado por crime contra o Estado Democrático.

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