João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Inverno 2023: a volta do sabiá-preto

João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Inverno 2023: a volta do sabiá-preto

João José Leal

Costuma-se dizer que a primavera é a estação do esperado retorno da paisagem verdejante, das flores a desabrochar em manhãs cálidas e radiantes. A poesia também não deixa de cantar em versos e rima, a crença de que a estação primaveril é o tempo festivo da sonoridade musical, da alegria e do gáudio. Enfim, é o tempo do canto dos pássaros, como se esses entes alados vestidos de plumas usassem relógio no pescoço. Ao contrário, o inverno seria o tempo cinzento das árvores desfolhadas e do silêncio dos pássaros.

Penso que essa é mais uma crença influenciada pelo discurso vindo da Europa. Afinal, somos ou queremos ser euro-americanos. No hemisfério norte, com o fim do verão e dos seus dias ensolarados, vem o tempo do frio intenso, das folhas despencando numa suave e graciosa dança na sua volta à Terra-Mãe e do recolhimento das pessoas ao interior dos lares. E os pássaros desaparecem da paisagem, se calam e só voltam a encher os ares com seus cantos melodiosos quando as manhãs tépidas da primavera chegam para um novo e passageiro tempo alegre e festivo.

Não é assim em terras brasileiras. Mesmo no Sul, onde vivemos. É verdade que, no inverno, sempre enfrentamos alguns dias de frio de tirar acolchoados, cobertores, jaquetas e casacos das gavetas e armários. Mas, nada tão intenso que nos deixe em meio a uma paisagem europeia de neve cobrindo árvores desfolhadas e sem abrigo para os pássaros.

Há tempo já aposentado, tenho tempo para dar comida aos pássaros. Afinal, precisamos ajudá-los a sobreviver num espaço urbano cada vez mais hostil às aves, que um dia só conheceram o verde das matas s que lhes garantiam o alimento de cada dia. E tenho observado que, neste mês de agosto, em pleno inverno, gaturamos, sanhaçus continuam cantando para nos alegrar e mostrar que a vida continua, apesar de dias frios que tenhamos de enfrentar. Se, aracuãs, joões-de-barro e bem-te-vis não cantam bonito, também não ficam em silencio durante o inverno.

Todas as manhãs, escuto a algazarra das aracuãs, avisando umas às outras que é hora de buscar comida, em meio aos prédios e casas de uma cidade que continua crescendo para cima e para os lados. Pelas sete horas, já estão empoleiradas para o café da manhã com bananas e fatias de mamão que lhes ofereço todas as manhãs. Tomam conta do espaço, espantam gaturamos, gaipavas, saíras, sanhaçus, tiés e sabiás e só deixam o local após saciarem a fome matinal. Aos pequenos, resta se conformar com as sobras avidamente extraídas junto às cascas das frutas.

Os sabiás-laranjeira e os brancos ainda não começaram a cantar. Mas, em breve, devem nos brindar com seus belos concertos canoros, antes que o inverno deixe lugar para a primavera. Para minha alegria, tenho observado que, a cada mês de agosto, um saltitante e elegante sabiá-preto retorna ao meu quintal. Chega cantando, para demarcar território e avisar a parceira que é hora de construir um novo lar, cumprindo o ciclo da perpetuação da espécie. Ontem, pela primeira vez, ouvi o seu canto estridente vindo do alto de uma árvore.

Então, me convenci que a natureza é forte e resiste aos maus-tratos causados pela insensatez ou pela necessidade humana. Apesar de tudo, as aves estão de volta aos nossos quintais para conviver conosco, buscando refúgio e alimento nas poucas árvores existentes.

 

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