João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Nação de Macunaímas

João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Nação de Macunaímas

João José Leal

Os meios de comunicação social têm noticiado sobre a Semana de Arte Moderna, ocorrida no final de janeiro de 1922. Naquele começo de ano, um grupo de artistas se reuniu para discutir e condenar a forma ultrapassada das manifestações artísticas nacionais, atreladas a uma matriz estética europeia, principalmente francesa. O centenário evento cultural marcou a história das artes deste país e lançou as bases do modernismo no Brasil. Seus organizadores, não mais que cinco, um poeta, dois escritores e duas pintoras, queriam produzir arte com maior liberdade, sem as peias de convenções ou dogmas de catecismos e sem receituários de academias.

Assim, a música já não deveria tocar mais no mesmo ritmo nem na mesma escala de sete notas. A prosa literária deveria estar livre para narrativas imaginárias e surrealistas. A poesia se libertaria da métrica e da rima. Defendendo mudanças no rumo das artes brasileiras, lançaram o Manifesto Antropófago, um texto redigido por Oswald de Andrade que exaltava a figura do indígena tupiniquim e condenava a nossa dependência cultural e artística. Rebelando-se “contra todas as catequeses” e de forma surrealista, o manifesto proclamava: “Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a Revolução Francesa”.

Houve mudanças, isso é inegável. Afinal, o tempo não deixa as coisas se acomodarem para sempre. A literatura, a pintura, a música, o teatro e a dança já não são as mesmas da época da Semana Moderna. Mas, “Revolução Caraíba com certeza também não aconteceu nesse país, onde mudanças são feitas para tudo continuar como antes: a mesma música, a mesma dança, o mesmo discurso e a mesma encenação no conspurcado e nefasto palco do planalto brasiliensis.

Apesar da importância do manifesto, a obra “Macunaíma” de Mário de Andrade é a que melhor representa as ideias do movimento modernista. Mereceu filme, série em TV, sínteses e resumos para a educação oficial e continua sendo discutida nos meios de comunicação e literários. A narrativa mistura o real ao fantástico e descreve o personagem central, Macunaíma, como um anti-herói. Filho de uma índia, nascido na selva amazônica, era “preto retinto e filho do medo da noite”. Cheio de esperteza, ardiloso, dissimulado, preguiçoso e mentiroso viveu para enganar e aplicar golpes contra as pessoas com quem se relacionava.

Se Mário de Andrade vivesse para publicar sua obra nos dias de hoje, com certeza, seria processado pelo crime de racismo por ofensa aos afrodescendentes brasileiros. A Funai, por sua vez, o acusaria de intolerância contra o povo indígena. No entanto, a obra deve ser vista como uma severa crítica ao comportamento ético do povo brasileiro que prefere a Lei de Gerson, aplaude a esperteza e gosta de levar vantagem em tudo, não importando os meios.

Mais do que isso, o romance deve ser entendido, principalmente, como uma certeira e atualizada crítica a muitos dos nossos governantes e seus asseclas. Mentirosos, falsos, corruptos e cheios de esperteza, eleitos ou não, desgraçadamente, esses macunaímas do século 21 chegam ao poder para impedir as reformas necessárias e assaltar os cofres da nação brasileira.

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