João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

O Júri de Campo Velho e o jovem promotor

João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

O Júri de Campo Velho e o jovem promotor

João José Leal

Naquele final de junho de 1969, quase toda a população tinha lotado o salão do clube social para assistir à sessão do Júri. Num entrevero de bodega, por discussão de mulher, o fazendeiro Chico Pires não deu chance ao então amigo de copo. Rápido, disparou três certeiros tiros em seu vizinho Maneca Soares, também dono de uma pequena fazenda de gado. Preso, há meses, Chico Pires aguardava seu julgamento, que só aconteceu quando um jovem Promotor Público chegou à pequena cidade de Campo Velho.

A expectativa era enorme. Pelo crime, envolvendo dois conhecidos fazendeiros. Também, pelo novo Promotor Público, Frederico Schmitt, jovem de menos de 30 anos, loiro, de origem alemã, há pouco tempo formado na Faculdade de Direito do Paraná. Todos queriam ver o seu trabalho de acusação.

Com a palavra para seu discurso acusatório, o jovem Promotor postou-se diante de um quadro negro, coisa nunca vista no plenário do Júri daquela comarca. De giz na mão, traçou um desenho perfeito da cena do crime: posição do réu, da vítima e das testemunhas oculares, o dono da bodega do lado de dentro do balcão, no momento fatídico dos disparos de arma de fogo. Analisou cada depoimento e demonstrou, de forma incontestável, que o réu tinha assassinado a vítima sem que esta pudesse se defender.

Disse, ainda, que o réu costumava andar armado, fato revelador de uma personalidade perversa, predisposta à violência e ao crime. Terminou o seu trabalho acusação convencido da condenação de Chico Pires.

O defensor, João Pedro de Almeida, famoso na tribuna do Júri em toda a região, todos já conheciam e admiravam. Advogado experiente, orador dos melhores, tribuno matreiro, diziam na cidade, com certo exagero é claro!, “nunca tinha perdido um Júri”. Seria, sem dúvida, o Júri do Ano.

Na tribuna, o experiente advogado sabia que o promotor tinha feito um trabalho sério, muito bem-feito e que, contestar as provas, todas incriminatórias, seria o mesmo que pedir a condenação do seu cliente. Mas, conhecia bem os jurados. Sabia o que cada um fazia e pensava. Sem abrir o processo nem falar das provas, começou o seu discurso.

– Vejam, senhores jurados, quem mandaram, lá do litoral, para a nossa comarca. Não é um promotor público que aqui está. Mas, um professor para nos dar lição de moral, para nos ensinar como devemos viver na nossa querida Campo Velho. Vejam, o absurdo. Este jovem promotor, mal pisou em nossa terra e quer acabar com o costume da nossa gente andar armada. Pelo que acabou de falar, o nosso homem do campo não vai poder nem usar um facão para trabalhar na roça.

– Não conhece um palmo da nossa terra nem a nossa gente e quer acabar com o costume que herdamos dos nossos pais e avós. Deve ter nascido em Pomerode e estudado na Suíça. Para o promotor, o nosso homem do campo é um criminoso e deve ser condenado só porque usa uma arma para se defender das feras e das agressões injustas como foi o caso do meu cliente.

Ao final, o Júri absolveu Chico Pires. Então, o jovem promotor percebeu que, apesar de termos uma única lei no país, só o tempo mudaria o costume e a cultura daquele gente e daquela região.

 

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