O velho professor de matemática
Medicina preventiva é sinônimo de pacientes em sala de espera das clínicas de cardiologia. A TV está ligada, transmitindo o capítulo de uma novela da Globo. Mas, ninguém dá importância para a “grande” tela. Nestes tempos de Facebook e Whatsapp, todos esperam com paciência. Mas, com o olho fixo na telinha mágica do esperto telefone. Um deles, desligou o telemóvel como dizem os portugueses e perguntou ao paciente em sua frente, um homem de cabelos brancos, já passando dos 70 anos, que acabara de chegar:
– Me desculpe, mas o senhor não é o professor João Francisco, que lecionou no Colégio São Luís, nos anos de 1980?
– Sim, sou eu mesmo. Já me conhece?
– Quando o senhor entrou aqui, fiquei em dúvida. Afinal, lá se vão mais de 40 anos. Mas, logo lembrei do professor de matemática dos meus dois filhos. Sempre quis lhe agradecer e nunca tive oportunidade. Sabe como é. Dos outros professores, de história, geografia, até de língua portuguesa, a gente acaba esquecendo. Mas, o professor de matemática sempre é lembrado. Não sei se é porque, naqueles tempos, vocês exigiam muito dos alunos. Desculpe lhe dizer, o senhor era conhecido na cidade como um professor rigoroso! Meus filhos dizem que estudaram matemática prá valer. Mas sempre falam bem do senhor.
– Hoje, são gratos porque aprenderam a lidar com os números. Um é contabilista e o outro é advogado. Trabalham juntos e estão ganhando dinheiro com processos trabalhistas e previdenciários. Sabem fazer muito bem aqueles cálculos das indenizações devidas aos empregados e dos benefícios devidos pelo INSS. O senhor sabe como é, advogado está sempre à procura de uma brecha na lei para entrar com uma ação. E, agora, tem esse tal de dano moral que é um perigo para o patrão. Qualquer cara feia, qualquer mal- entendido e lá vem processo na justiça.
– Fui tecelão a vida toda. Trabalhei no primeiro turno da Renaux. Levantava às quatro da manhã e ainda fazia um extra todas as tardes para aumentar o salário. Com muita dificuldade, consegui dar uma educação que eu não tive para os meus filhos. Esses dois aproveitaram e, pelo que vejo, estão bem de vida. Têm casa no Maluche e apartamento na praia de Itapema. Os outros três não estão mal. Como não estudaram, agora, trabalham muito e ganham pouco. Porém, não posso reclamar porque são muito bons para mim e a mãe. Olha, são melhores que os dois que não têm tempo para visitar os pais.
Pacientemente, o velho professor de matemática ouvia a conversa e sacudia a cabeça em sinal de acordo. Estava feliz pela gratidão de um pai, passados já 40 ano, manifestada na frente dos outros pacientes. Quis perguntar o nome dos filhos e agradecer-lhe a gentileza. Mas, não teve tempo. Seu interlocutor foi chamado para a consulta. Levantou-se, disse até logo e saiu rápido para cumprimentar o médico, que o esperava à porta do consultório.