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A corrida das tartarugas marinhas

O Projeto Tamar, que já está completando 40 anos, tem garantido a sobrevivência das tartarugas marinhas no litoral brasileiro. Podemos comparar a luta quase inglória das pequenas tartaruguinhas na sua corrida em direção ao mar com o desenvolvimento das crianças e jovens de hoje, às voltas com toda sorte de predadores. Que chance tem uma […]

O Projeto Tamar, que já está completando 40 anos, tem garantido a sobrevivência das tartarugas marinhas no litoral brasileiro. Podemos comparar a luta quase inglória das pequenas tartaruguinhas na sua corrida em direção ao mar com o desenvolvimento das crianças e jovens de hoje, às voltas com toda sorte de predadores.

Que chance tem uma criança, nascida hoje, de passar por todas as armadilhas que a esperam e adentrar a vida adulta com integridade psicológica e moral, com domínio de si mesma, capacidade de amar e de conviver de modo civilizado com os demais?

No mundo das tartarugas marinhas, de cada mil filhotes que desovam, apenas um será uma tartaruga adulta (e para elas a integridade física já é suficiente!). Não é possível fazer estatística quanto ao desenvolvimento humano integral que mencionei, porque ele não pode ser medido pelas nossas observações ordinárias.

Mas nunca é demais observar e aprender com os inúmeros fracassos dos quais somos testemunhas. A armadilha para a criança começa bem antes que ela possa ser concebida, pois se os pais potenciais não estão desenvolvendo a maturidade que lhes será requerida na tarefa de educar, as chances da criança diminuem.

Após a concepção, há o risco do aborto, assim como os ovos das tartarugas, se não vigiados, viram iguarias culinárias para os lagartos e outros raptores. Para as que conseguem ser desovadas [as tartarugas!], começa a corrida para a água, feita aos olhos de inúmeros comensais oportunistas, e quem não chega à água não terá mais chance. Cá para os humanos, talvez a infância nunca tenha sido tão violentada quanto nos dias atuais.

A começar pela ameaça mais horrenda – a pedofilia – até a mais comum – o abandono moral de pais que acham que as crianças devem ser soltas para fazerem que lhes convier – as ameaças à corrida dos pequenos humanos para o mar da vida também são muitas. Cumpre ressaltar que, apesar da intensa campanha da mídia para manter em evidência os crimes de pedofilia cometidos por religiosos, estes são em número infinitamente menor do que os cometidos pelos próprios pais, irmãos, primos, padrastos, vizinhos, etc.

Ou seja, o perigo está mais próximo do costumamos imaginar. E é preciso ainda desviar-se – com extrema energia, pois a correnteza é muito forte – do derrame de pornografia e liberalização sexual, da proliferação de inúmeros tipos de drogas, desde a cerveja – consumida já nas festinhas inocentes – ao crack, passando pelas máquinas caça-níqueis e tantos outros abutres. O que não faltam são ambientes propícios para a proliferação de situações de risco, enquanto escasseia a disposição para disciplinar e proibir. Alguém disse, num passado longínquo, que viriam dias em que se diria “feliz o ventre que não gerou e os seios que não amamentaram”.

A profecia parece ter sido endereçada especialmente para os nossos dias. Precisamos, com urgência, de um projeto Tamar para proteger nossas tartaruguinhas terrestres, como aquele que garantiu a sobrevivência das marinhas. E isso passa pela revisão do nosso estilo de vida, pela crítica ao sentido que estamos dando para o tempo que passamos neste planeta e à nossa tolerância cada vez maior à degradação vendida como arte, entretenimento e liberdade de expressão. Ainda é tempo.