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A segunda instância e a democracia

A decisão do STF, que vetou a prisão após segunda instância enquanto ainda houver recursos do condenado, continua repercutindo. Na semana passada, este jornal deu destaque para o habeas corpus que permitiu a soltura da assassina condenada do brusquense Chico Wehmuth, que também pegou carona na decisão que beneficiou Lula e outros graúdos condenados pela […]

A decisão do STF, que vetou a prisão após segunda instância enquanto ainda houver recursos do condenado, continua repercutindo. Na semana passada, este jornal deu destaque para o habeas corpus que permitiu a soltura da assassina condenada do brusquense Chico Wehmuth, que também pegou carona na decisão que beneficiou Lula e outros graúdos condenados pela Lava Jato. 

E assim são muitos condenados que ganham as ruas. Eu já escrevi sobre isso antes e o cidadão brasileiro já está careca de saber que esse papo de presunção de inocência até o trânsito em julgado é uma jabuticaba jurídica, ou seja, exclusividade brasileira. Em qualquer país sério e de democracia consolidada, o condenado apresenta seus recursos aos tribunais superiores enquanto cumpre a pena.

Mas na semana passada, o site jurídico “Conjur” publicou fala do criminalista Antonio Claudio Mariz de Oliveira, que representa os advogados de um tal “Grupo Prerrogativas”,  afirmando que a decisão do STF é um marco de democracia. Mais que isso, considera uma ameaça à democracia o projeto de emenda constitucional que prevê a prisão após a segunda instância e a diminuição dos infindáveis recursos protelatórios aos tribunais superiores. 

Segundo o “nobre causídico”, se a emenda passar, seria como se a prisão em segunda instância ganhasse “no tapetão”. A mesma opinião é defendida pelo jurista Lenio Streck (por quem já nutri admiração) que, num dos seus longos artigos, defende que o atual estado de coisas é a verdadeira democracia. Streck, em sua costumeira retórica, quer nos explicar, como se fôssemos retardados, que a segunda instância não está proibida, apenas não é obrigatória.

É claro que a prisão em segunda instância não é proibida. Ela acontece para todos os condenados que não têm grana para pagar advogados a peso de diamante, que manejem toda a infinidade de recursos que a “constituição cidadã” permite. Então, manter as coisas como estão é manter a eterna impunidade dos corruptos de colarinho branco, que têm muito dinheiro (dinheiro de corrupção!) para pagar os advogados. Eles, á claro, estão defendendo seus interesses profissionais e financeiros. Mas atrelar isso à defesa da democracia beira o ridículo.

Democracia agora é ouvir o clamor da população, que não tolera mais essa impunidade. E quem representa essa população, em primeiro lugar, é o Congresso Nacional. Então, chamar o projeto de emenda constitucional da segunda instância de “tapetão” é, vergonhosamente, se colocar contra a democracia e a favor das interpretações literais de ocasião, para as quais os ministros do STF costumam se prestar, quando é conveniente.

Aliás, por falar em segunda instância, o TRF-4 deu um banho de inteligência jurídica  na decisão que confirmou a condenação de Lula no caso do sítio, e ainda aumentou a pena. O papo de anular a sentença por causa da ordem das alegações finais foi rechaçado com a análise das posições de cada um dos onze ministros do STF, que já se pronunciaram contra isso em diversas ocasiões. Agora, se os ministros lulistas quiserem salvar o molusco de novo, terão que se afundar ainda mais nas suas próprias contradições. Viva a democracia! Viva a segunda instância.