José Francisco dos Santos

Mestre e doutor em Filosofia pela PUC/SP, é professor na Faculdade São Luiz e Unifebe, em Brusque e Faculdade Sinergia, em Navegantes/SC e funcionário do TJSC, lotado no Forum de Itajaí/SC.

O lado de dentro

José Francisco dos Santos

Mestre e doutor em Filosofia pela PUC/SP, é professor na Faculdade São Luiz e Unifebe, em Brusque e Faculdade Sinergia, em Navegantes/SC e funcionário do TJSC, lotado no Forum de Itajaí/SC.

O lado de dentro

José Francisco dos Santos

O Covid19 nos recolheu em casa e nos colocou nessa situação inédita. É um teste severo para a nossa capacidade de organização, de disciplina, de enfrentamento de adversidades. Mas não se trata apenas de organização de responsabilidade das autoridades e dos serviços de saúde.

Recolhidos às nossas casas, temos que lidar com algo que não costumamos cultivar: o nosso lado de dentro.

Em tempos normais nosso foco costuma estar do lado de fora. Nossa identidade costuma se definir pela aparência e pelo efeito que produzimos nos outros. Podemos dizer que são sempre efeitos externos, pois tudo costuma girar em torno da nossa própria imagem. O verbo “causar” se tornou uma gíria para esse efeito, como quando se diz, por exemplo, que uma mulher se veste de um determinado modo para “causar”.

Nossa diversão e realização também costumam estar lá fora, nas atividades externas, na comida e bebida que consumimos, nos locais que frequentamos. Até a música (ou o que restou dela!) de grande sucesso só puxa para fora, para o superficial, para a curtição efêmera, para os relacionamentos desenraizados.

Agora estamos sendo confrontados com esse ser estranho, para o qual não costumávamos olhar: o interior de nós mesmos e o nosso entorno mais próximo, a família. Para além das piadinhas de whatsapp, eu fico imaginando o enorme sacrifício que é para tantos simplesmente ficar em casa, esse lugar estranho de onde sempre encontraram um motivo para fugirem. E olha que estamos apenas no início do processo. Se os prognósticos se confirmarem, o número de infectados vai aumentar, alguns morrerão e certamente vai haver desespero nesses confinamentos forçados.

É aí que a pandemia pode nos ser útil para alguma coisa. Em situações normais ninguém estaria disposto a rever os próprios conceitos, reavaliar as escolhas, rediscutir o que é, de fato, importante. O vírus nos força a olhar para dentro, na busca de uma essência que as aparências e a vida social não deixavam se manifestar. E é bem provável que esse mirar-se no espelho interior não seja agradável, afinal, um lugar abandonado há tanto tempo não costuma ter um bom aspecto.

Mas a quarentena também nos dá o tempo e a oportunidade de começar a reorganização da casa interior. Se a TV e a internet não nos roubarem todo o tempo, nos jogando eternamente para fora de nós mesmos, talvez consigamos nos reconectar com aquele wifi espiritual que sempre relegamos ao segundo plano.

Muitos só se despertarão para isso quando a situação se tornar desesperadora, quando a morte rondar a vizinhança ou invadir a própria casa. Mas não precisamos esperar o desespero para encontrar a esperança. Estamos tendo a chance de perceber quão fúteis e externas têm sido nossas escolhas, nosso entretenimento, nossa ocupação. Rezo para que aprendamos essa lição e, quando a tempestade passar, recomecemos nossa normalidade num patamar mais elevado.

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