O legislativo e a democracia
Sou parlamentarista desde que me lembro de começar a entender alguma coisa de política. No parlamentarismo, o poder legislativo, além de sua atribuição natural de elaborar leis e fiscalizar, também se responsabiliza pela realização das políticas de governo, uma vez que o chefe do poder executivo – que escolhe o ministério e propõe a política […]
Sou parlamentarista desde que me lembro de começar a entender alguma coisa de política. No parlamentarismo, o poder legislativo, além de sua atribuição natural de elaborar leis e fiscalizar, também se responsabiliza pela realização das políticas de governo, uma vez que o chefe do poder executivo – que escolhe o ministério e propõe a política de governo – é o primeiro-ministro, um líder parlamentar.
No parlamentarismo, o governo só pode se formar quando um partido ou um grupo de aliados tem a maioria dos congressistas. O governo, então, não fica dependendo de negociatas para governar. Lembro-me de uma frase da propaganda parlamentarista, quando do plebiscito de 1993, que dizia: “No parlamentarismo se governa com parceiros e não com comparsas”. Ora, nossa república presidencialista se especializou em formar comparsas e deu munição para o agigantamento da corrupção.
Nossos parlamentares se acostumaram ao “toma lá dá cá”. Na década de 1990, no episódio dos “anões do orçamento”, um deputado justificava o fisiologismo usando uma frase da conhecida oração de São Francisco, “é dando que se recebe”. Daí nasceu o mensalão e todas as formas de relacionamento espúrio entre executivo e legislativo, e chegamos ao ponto em que estamos: um presidente eleito que se torna refém do parlamento. O Congresso, ao não ver atendidos seus pleitos fisiológicos, trava a pauta do governo, dificulta a aprovação de seus projetos, mutila suas propostas, como a do pacote anticrime, e ameaça engessar o orçamento, inviabilizando as ações provenientes do Planalto.
O presidente, muito hábil em piorar o ambiente político com suas tiradas de twiter (e olha que os “malas” de seus filhos já não atrapalham tanto) corre o risco de ficar ainda mais isolado. Há os que dizem que ele não consegue fazer política e assim se ajeitar com o legislativo. Por outro lado, porém, o que é fazer política? É ceder às chantagens e entrar na “velha política”, para sobreviver no cargo? Como se faz política nova com políticos de velhos hábitos?
Nessa guerra, cada um dá ênfase à parte que lhe é mais conveniente em nome da democracia. O presidente convoca o povo às ruas, para mostrar aos deputados que todo poder emana do povo (princípio basilar da democracia), e que eles devem ceder ao povo que anseia pelas reformas, pelas novas políticas de segurança pública, pela responsabilidade na gestão econômica. Parlamentares, jornalistas e teóricos de plantão alardeiam o risco de uma crise institucional, por conta das ameaças veladas (ou nem tanto) ao legislativo. Cada parte pode construir a narrativa que quiser com esses ingredientes, e teremos que esperar os desdobramentos da crise.
O fato é que esse sistema presidencialista, nos moldes da Constituição de 1988, é um lixo, um chamado aos conchavos fisiológicos ou às crises de governabilidade. O povo deve mesmo ir às ruas e exigir democracia, cuja essência é governar em nome do povo, para realizar os anseios do povo. Só precisa de uma faixa enorme exigindo reforma política, com reformulação partidária e parlamentarismo. Do contrário, continuaremos nos revezando entre crises de governabilidade e corrupção pura e simples.