O mérito e a oportunidade
Na semana passada, revi a instigante entrevista concedida pelo economista-chefe do Instituto Ayrton Senna, Ricardo Paes de Barros, ao programa Roda Viva, da TV Cultura, falando sobre política social e educação. Um dos tópicos que ele abordou foi a questão da meritocracia e da igualdade de oportunidades, pois, afinal, não se pode exigir mérito de […]
Na semana passada, revi a instigante entrevista concedida pelo economista-chefe do Instituto Ayrton Senna, Ricardo Paes de Barros, ao programa Roda Viva, da TV Cultura, falando sobre política social e educação. Um dos tópicos que ele abordou foi a questão da meritocracia e da igualdade de oportunidades, pois, afinal, não se pode exigir mérito de quem sequer tem a oportunidade de demonstrá-lo.
A questão é central para a avaliação de programas sociais que visam à melhoria da vida das pessoas e à erradicação da pobreza. Quando as pessoas estão entregues à própria sorte, a falta de oportunidade tolhe muitos talentos. Há aqueles que poderiam ser excelentes e dedicados médicos, mas o acesso às faculdades de medicina é extremamente exigente, tanto quanto à formação intelectual quanto às condições financeiras. Dessa forma, pessoas sem vocação para a profissão, mas com oportunidades de sobra, acabam ocupando o lugar de quem poderia se dedicar muito mais à profissão.
A melhoria do ensino público é fator preponderante para que um aluno de qualquer escola possa disputar em igualdade de condições as vagas nas melhores universidades. Aí o que fará a diferença será o mérito. Por mais esforçada e talentosa que seja uma criança, se não teve acesso aos conteúdos necessários a uma formação intelectual de qualidade, dificilmente poderá concorrer com quem os teve, mesmo que o concorrente seja menos talentoso e esforçado.
Dar a oportunidade é essencial, mas nunca se pode deixar de avaliar o mérito. Daí que a contrapartida de quem recebe benefícios sociais deve ser sempre exigida. Do contrário, a pessoa “senta em cima” do benefício e simplesmente se acomoda.
A falta de oportunidades é muito ruim, mas me incomoda ainda mais o descompromisso de tantos que ganham a oportunidade e não a aproveitam.
A oportunidade pode ser dada pelo destino, pelo fato de ter nascido em uma família com condições econômicas mais favoráveis, ou por políticas sociais do governo ou de qualquer outro agente. O mérito se mostra pelo afinco com que se agarra a chance para fazê-la frutificar. Infelizmente, muitos aos quais a vida oferece a oportunidade não entendem que esse privilégio tem um preço, e estão distraídos demais para demonstrar gratidão fazendo a sua parte.
Talvez pensem que a vida, os pais, o governo, ou seja lá quem for têm a obrigação de suprir eternamente suas necessidades. Enquanto isso, vamos desperdiçando recursos e acumulando desleixo e incompetência. Se há algo que me dá profunda dor na alma é observar as pessoas jogando fora seus talentos e oportunidades, dissipando seus dias no nada, em diversões cada vez mais fúteis e imbecilizantes.
Por outro lado, há quem se desdobre com o mínimo para não desperdiçar uma chance, como a juíza Antônia Marina Faleiros, que chegou a dormir em um ponto de ônibus enquanto estudava. Vale a pena digitar o nome dela num site de busca e conhecer um pouco de sua vida. Que exemplos como este nos inspirem a aproveitar melhor as nossas oportunidades.