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Lisboa

Durante a pandemia cheguei a pensar que não voltaria à Europa. A viagem é cansativa para uma pessoa da minha idade. Mas, acho que em minhas veias corre sangue cigano e me enchi de coragem para mais uma viagem ao velho continente. Comecei por Lisboa. Pareceu-me não ter cruzado o Atlântico nem ter deixado o […]

Durante a pandemia cheguei a pensar que não voltaria à Europa. A viagem é cansativa para uma pessoa da minha idade. Mas, acho que em minhas veias corre sangue cigano e me enchi de coragem para mais uma viagem ao velho continente.

Comecei por Lisboa. Pareceu-me não ter cruzado o Atlântico nem ter deixado o meu país, tantos eram os brasileiros a perambular pelas ruas e avenidas da capital portuguesa em conversas que não eram as de gajos portugueses, que falam comendo sílabas e palavras. Se não caminhavam, estavam a lotar restaurantes para comer bacalhau que, aqui, poucos gostam e menos ainda comem porque o preço é sempre salgado.

Brasileiros de todos os tipos e idades, vi entrar e sair das lojas com sacolas de lembrancinhas para os entes queridos que aqui ficaram. Viajar para o continente europeu, nem todos podem e esses, resignados, conformam-se com um ímã da Torre Eiffel, do Parlamento inglês ou do Coliseu colado na porta da geladeira. Ou, já que estamos falando de Portugal, com um pequeno azulejo do Galo de Barcelos, pendurado na parede.

Vi filas de turistas, a grande maioria filhos desta terra um dia descoberta por um almirante português perdido da rota a caminho das Índias, pacientemente esperando para comprar um pastel de nata ou de Belém, que aqui se compra tão bom e mais barato do que lá. Mas, turista é assim mesmo, viaja para gastar, comprando e comendo.

Vi ainda, aqueles antigos bondes amarelos lotados com a nossa gente, a circular pelo entorno do Rossio e da bela Praça do Comércio para depois subir em direção ao Chiado, a parte alta e elegante da cidade. Muitos desses turistas tupiniquins ali desciam do velho bonde para sentar-se, se lugar vago encontrassem, à mesa do centenário Café A Brasileira, onde Fernando Pessoa também tomava uma bica, como assim diziam os portugueses de sua época para o nosso cafezinho.

Na chegada ou na saída do Café, muitos deles ou quase todos se brasileiros forem, sentavam-se para uma fotografia na cadeira ao lado da estátua esculpida em bronze do grande poeta português. Também sentado numa cadeira, Pessoa está vestido com terno e gravata borboleta, seu inseparável chapéu na cabeça, as pernas elegantemente cruzadas e um braço apoiado em uma mesa. Sem dúvida, é uma bela obra de arte escultural em homenagem ao grande poeta.

É possível que esses turistas verde-amarelos não tenham lido Fernando Pessoa, nem os versos do Mar Salgado, seu poema mais conhecido em que o poeta diz que “tudo vale a pena, se a alma não é pequena”. Não é de duvidar que muitos só tenham ouvido falar do seu nome ali mesmo, no Chiado, antes de se sentar ao lado da figura do bardo imortalizada no bronze.

Mas, é assim mesmo. Para o turista, sempre vale a pena qualquer retrato captado pela telinha digital do celular, diante de um monumento, castelo, catedral ou de uma estátua. Afinal, viajar não é só restaurante e compras. É também fotografar às mãos cheias.