Talvez o axioma filosófico mais famoso seja o atribuído a René Descartes (1596-1650),“Penso, logo existo”. Pai do racionalismo cartesiano, Descartes atribuía todo o peso da existência à nossa mente, nosso pensamento e nosso raciocínio. Nas últimas décadas as pesquisas em neurociência e psicologia evolutiva apontam que as emoções, desconsideradas por Descartes, são muito importantes para o raciocínio lógico e para tomar as decisões corretas perante quaisquer dilema ou problema.
Esse componente emocional tão importante nas nossas vidas também nos provoca sofrimento quando entra em disfunção, os transtornos de ansiedade tão prevalentes nos dias de hoje são um exemplo disso. Um estudo recente patrocinado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) realizado em 21 países incluindo o Brasil mostra que ao redor de 10 % da população sofre de transtorno de ansiedade generalizada e que apenas 10% dessa população acometida tem acesso a um tratamento adequado.
Entre os transtornos ansiosos se destacam pela frequência o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) e o Transtorno de Pânico. A ansiedade nada mais é que uma sensação difusa, desagradável de mal-estar, de preocupação constante, muitas vezes difícil de explicar e que pode ser acompanhada de alguns sintomas físicos como aperto no peito, aceleração dos batimentos cardíacos, nervosismo persistente, tremores, dormências nos pés e mãos, “bucha“ na garganta, etc. Esses sintomas tem que estar presente pelo período mínimo de seis meses para poder ser cogitado o diagnóstico de TAG.
Enquanto o Transtorno de Pânico se manifesta como a aparição abrupta de sintomas de dor no peito, taquicardia, falta de ar, dormências, sensação de angústia, sensações de irrealidade e tonturas, entre outros. A intensidade destes sintomas durante as crises de pânico é alta e leva muitas vezes à procura de atendimento médico de urgência.
A ansiedade considerada normal e que representa até um mecanismo de defesa ou de “preparo” é aquela sensação de preocupação que antecede a circunstâncias específicas (anterior a uma entrevista de emprego, ou uma viagem, ou uma prova acadêmica, ou uma competição esportiva, ao nascimento de um filho, antes de uma cirurgia, etc). Este tipo de ansiedade é normalmente transitória, passado o evento desaparecem os sintomas ansiosos.
Vários estudos indicam que nas atuais circunstâncias de pandemia tem havido um aumento dos transtornos ansiosos e depressivos, há uma série de fatores que explicam isto: o medo a contrair a doença, as restrições à mobilidade, restrições sociais, preocupações com o futuro, etc.
Embora saibamos que todos os pacientes acometidos por transtornos ansiosos devam procurar atenção médica e/ou psicológica (lembrando que a psicoterapia cognitivo-comportamental é uma eficaz ferramenta no tratamento tanto do TAG quanto do Transtorno de Pânico), acreditamos que além do tratamento individual cabem também políticas públicas que teriam um grande benefício na redução da prevalência de transtornos ansiosos e depressivos e consequentemente levariam a uma melhora na saúde mental da nossa população.
É bem conhecido que a atividade física regular reduz significativamente a incidência não só de doenças cardiovasculares, diminui também de forma significativa vários tipos de transtornos mentais. Investir em quadras poliesportivas nos bairros, uma rede de ciclovias/ciclofaixas que estimulem à população ao uso da bicicleta tanto como prática de atividade física quanto como meio de transporte, o incentivo aos programas de atividades físicas orientadas para a terceira idade.
São investimentos públicos que trazem compensações em poucos anos ao diminuírem significativamente a procura de atendimento médico e o uso de medicamentos. Ansiedade também se combate com ações coletivas que visam tanto a cura quanto a prevenção. O brilhante Descartes estava errado, a frase certa à luz dos conhecimentos atuais seria: “Existo (e sinto), logo penso”.