Tem uma frase bem conhecida que diz “todo brasileiro é um técnico de futebol”, frase que reflete a enraizada paixão do brasileiro pelo futebol. Atualmente, após um ano de pandemia e a julgar pelos debates em redes sociais e conversas de amigos, podemos afirmar também que os brasileiros se transformaram em exímios farmacologistas, infectologistas, epidemiologistas e especialistas no manejo medicamentoso da Covid-19.

Neste breve espaço vou tentar esclarecer como funcionam os ensaios clínicos de medicamentos antes de serem aprovados oficialmente como substâncias com eficácia no tratamento de determinada doença. Vamos citar o exemplo do medicamento Acyclovir, usado amplamente no tratamento do Herpes Simples e do Herpes Zoster.

Este medicamento foi descoberto na década dos 70 pelo pesquisador H. Schaeffer, nos finais dos anos 70. Junto à bioquímica Gertrude Elion foi constatado que o Acyclovir diminuía a replicação do ADN. O vírus do Herpes é um DNA vírus (Sars Cov2 é um RNA vírus). A partir dessa base teórica começam os ensaios pré-clínicos, inicialmente “in vitro” em culturas de células infectadas com o vírus do herpes, o Acyclovir se mostrou um potente inibidor da replicação viral.

Então começa a fase de estudos em modelos animais, por exemplo em coelhos infectados com herpes aos quais se aplicam doses diferentes de Acyclovir, se o medicamento se mostra seguro e eficaz em animais, pode ser aprovado para entrar em estudos clínicos (em humanos) que tem fases 1,2,3 e 4. Estas fases demandam muito tempo e muito investimento financeiro. Até ser aprovado na fase 3 o Acyclovir demorou mais de uma década e até hoje é um dos poucos medicamentos antivirais disponíveis.

Os estudos de fase 3 exigem uma serie de requisitos, tem que existir um Grupo Controle: além do grupo que recebe um tratamento tem que ter um grupo que recebe apenas um placebo (substância sem nenhuma eficácia). O estudo tem que ser Duplo-Cego: significa que nem os pacientes nem os pesquisadores em contato com eles sabem quem está no grupo placebo ou no grupo medicamento, isto evita que os pesquisadores tenham alguma “parcialidade”.

Finalmente, tem que ser Randomizado: significa que os pacientes têm que ser alocados de forma aleatória nos dois grupos, de forma que os dois grupos sejam equivalentes em relação à idade, sexo, gravidade dos casos, doenças concomitantes, etc. A análise rigorosa dos estudos de fase 3 pelas instituições reguladoras dos respectivos países, no Brasil é a Anvisa, vai determinar sua aprovação ou não para comercialização. Aprovada sua comercialização se passa para a chamada fase 4, que é um acompanhamento de farmacovigilância para obter dados sobre outros efeitos até então desconhecidos que o novo medicamento possa provocar.

Como podem perceber, há um longo e rigoroso caminho a percorrer para que uma nova droga seja aprovada para tratar uma doença, é praticamente impossível descobrir um antiviral como se fosse num passe de mágica.

Todos os estudos Duplo Cegos, Randomizados com Grupo Controle, com número expressivo de pacientes e publicados em revistas médicas de prestígio tem demostrado que os medicamentos que integram os assim chamados “kit Covid” como Hidroxicloroquina, Ivermectina, Nitazoxanida, Azitromicina, não tem nenhuma eficácia contra a Covid-19.

Os órgãos oficiais de controle de medicamentos como o FDA nos Estados Unidos, EMA na União Europeia, Anvisa no Brasil são unânimes em reconhecer que estes medicamentos, além de não ser úteis no tratamento da Covid-19, acarretam uma série de riscos devido aos seus efeitos colaterais.

No estado de São Paulo recentemente foram reportados cinco casos de insuficiência hepática severa devido ao uso do chamado kit Covid. Têm sido citados casos de hepatite severa por ivermectina também na Paraíba, Porto alegre e Campinas. Outros efeitos colaterais relatados são arritmias cardíacas severas, insuficiência renal e encefalopatia. Os próprios fabricantes destes medicamentos, embora tardiamente, já reconheceram sua inutilidade para este fim.

Recentemente a Associação Médica Brasileira (AMB) divulgou um comunicado respaldado por mais de 80 sociedades de especialidades médicas solicitando o banimento definitivo da Cloroquina, Ivermectina e outros medicamentos alardeados como tratamento preventivo para Covid-19. A sociedade Brasileira de Infectologia tem sido enfática em afirmar que não existe tratamento precoce nem preventivo para Covid-19.

Isto não significa que o paciente portador de um quadro de Covid-19 de moderado a severo ou que precise hospitalização não tenha tratamento. Existem tratamentos bem definidos e eficazes para todas as complicações que esta doença provoca. Esses tratamentos são bem conhecidos pelos médicos que há mais de um ano estão na linha de frente no atendimento aos pacientes com Covid-19. Deixo aqui para os leitores interessados o endereço de dois sites nos quais podem ser consultados os tratamentos e protocolos que estão sendo usados no mundo todo com poucas variações, eles são www.opencriticalcare.org e www.covidprotocols.org .

Epidemiólogos são unânimes ao afirmar que a pandemia vai se alastrar ainda durante algum tempo no Brasil, os números crescentes do número de casos e de mortes respaldam esta previsão. Considerando que a vacinação continua a um ritmo muito lento é importante continuar mantendo o distanciamento social, o uso adequado das máscaras e a higienização de mãos com álcool 70%, sem esquecer de exercer nosso papel de cidadão e pressionar as autoridades públicas pela aceleração da campanha de vacinação contra Covid-19.