Jovem organizadora de suposto projeto de doação de marmitas em Blumenau fala sobre suspeitas e acusações
Duda Poleza quebrou o silêncio e conversou com a equipe do jornal O Município após polêmica que viralizou no Brasil
Duda Poleza quebrou o silêncio e conversou com a equipe do jornal O Município após polêmica que viralizou no Brasil
Um suposto projeto de entrega de marmitas para moradores em situação de rua em Blumenau está gerando suspeitas de golpe nas redes sociais. A principal organizadora do movimento, Maria Eduarda Poleza Rosa, ou Duda Poleza, de 19 anos, conversou de forma exclusiva com o jornal O Município na noite desta segunda-feira, 26.
Diversas pessoas que fizeram doações e outras que seguiram o “Alimentando Necessidades” (nome do projeto), começaram a desconfiar após um grupo de pesquisa autônomo publicar uma espécie de “dossiê” sobre o caso.
Com objetivo de esclarecer questionamentos e dúvidas levantadas pelos doadores e seguidores do projeto, Duda conta detalhes de bastidores e revela informações até então nunca esclarecidas.
A organizadora relata que, atualmente, são três os participantes do projeto, que foi criado em fevereiro deste ano. Porém, antigamente ela comenta que eram sete participantes.
“Temos um voluntário na entrega, porém, quando ele fura por algum motivo, a gente dá um jeito ou contrata um serviço de motoboy, mas isso é raro”, relata.
Questionada pelo motivo que a fez fundar o projeto, Duda comenta que a fome sempre foi algo que a chateou na vida.
“Quis fazer pois isso foi algo que sempre me chateou, ver pessoas passando fome. Não é só as marmitas, sempre têm doação de roupa na minha casa. Sempre tentamos fazer alguma coisa por fora também. Meu irmão está sempre ajudando quem necessita, até em coisas que não envolvem comida. Fomos criados assim”, conta.
“Sobre os valores que conseguimos, tudo está na internet para quem quiser ver. Nunca escondi nada. Eu pequei em não me informar direito sobre como teria que ser uma prestação de contas, mas regularmente é postado fotos das notinhas fiscais”, complementa.
Mesmo com as explicações, os seguidores e doadores dos projetos seguem questionando Duda nas redes sociais.
Não, gente, e aqui ela dizendo que foi comprinhas de emergência no dia 21 de setembro,
sendo que ela postou print (e depois apagou) de comprinhas nos dias 17, 18 e 19 de setembro totalizando R$ 956,13
956 acabou em 2 dias?https://t.co/l5BqMX7Ydc
— ANDERSON (@super_anderson_) September 26, 2022
33 mil reais pra 26 marmitas (que cada uma custa 8 reais) e 15 cestas basicas? Intankavel…
— Karibuxi (@Karibuxi) September 26, 2022
Uma das maiores reclamações dos seguidores e doadores dos projetos em que Duda é organizadora, é que ela não responde as mensagens nos espaços privados de conversa, conhecidos por DM. Sobre o tema, ela responde:
“Minha rotina é muito corrida. Eu trabalho, faço faculdade, ajudo minha mãe e preciso dar conta do projeto também. Eu tento responder o máximo de mensagens, mas de vez em quando fica difícil.
A desconfiança começou pela quantidade de fios (expressão usada no Twitter para contar histórias em uma sequência de postagens) que engajaram nos perfis das duas coordenadoras do projeto, Duda Poleza e Taynara Motta.
Ambas publicaram prints de conversas que tiveram milhares de reações e divulgaram ainda mais o projeto. Em um dos casos um rapaz pede fotos nuas em troca de doação, já em outro uma pessoa oferece uma suposta carne vencida para que seja utilizada nas marmitas.
Porém, sobre o “caso” da carne, é possível ver que o alimento foi comprado no mesmo supermercado em que Duda costuma adquirir os itens para produzir as marmitas. O estabelecimento, inclusive, fica no mesmo bairro onde a blumenauense mora. Questionada sobre a coincidência, a jovem responde.
“A menina que quis doar a carne é quase minha vizinha, mora no mesmo bairro. É natural que vamos no mesmo supermercado”, responde. Em um tweet, é possível ver Duda admitindo que a carne não estava podre e que a parte branca seria gelo.
Num caso mais antigo e grave, Taynara, suposta cofundadora do projeto, conta sobre uma experiência de estupro que teria sofrido. Em todas as publicações o perfil do projeto é divulgado, juntamente com uma chave pix para doações.
O perfil que publicou as contradições iniciou destacando a possibilidade de Taynara não existir. Ele mostra, por exemplo, que o perfil criado em outubro de 2021 não traz informações pessoais da jovem e atua apenas como divulgador do projeto. Além disso, a foto do perfil de Taynara no Twitter era de outra pessoa, chamada Larissa, usada no Pinterest, um site de imagens.
“Ela comentou comigo sobre (o caso de estupro), mas na época estava pensando se ia denunciar ou não. Gostaria de ter mais notícias sobre isso também, mas ela abandonou o barco”, disse a organizadora.
Outra incongruência é que Taynara não é encontrada em nenhuma outra rede social. Aliás, uma pesquisa de dados de sistemas do governo do estado não conseguiu encontrar nenhuma Taynara Motta morando em Blumenau.
“Olha, a gente mal se conhece pessoalmente. Tivemos alguns atritos através da internet, porém, longe de mim deixar isso afetar o projeto”, comentou Duda, que segue confirmando a existência de Taynara.
Pela pressão sofrida nas redes sociais e pela desconfiança, as duas coordenadoras resolveram fazer vídeos para provar que existem. O de Duda, que ainda permanece no perfil, informou sobre uma live que aconteceu nesta segunda-feira, 26, às 21h. O jornal O Município acompanhou a transmissão de forma simultânea.
AMANHÃ LIVE 21H pic.twitter.com/ODF4KW1r45
— Alimentando Necessidades (@alimentando_n) September 26, 2022
Entretanto, o vídeo de Taynara foi publicado e logo deletado. Ele possuía muitos efeitos de imagem e áudio, o que trouxe ainda mais desconfiança. Muitos acreditaram que se tratava da própria Duda.
Para a curiosidade da equipe de reportagem do jornal O Município, Duda diz que a menina no vídeo, que diz ser Taynara, não se parece com ela.
“Para falar bem a verdade, não parece muito com ela não. Senti muita diferença, até achei que fosse uma brincadeira. Inclusive, tinha algumas pessoas falando que ela se parecia comigo, me senti ofendida”, diz a organizadora.
Até o fechamento desta matéria, o jornal O Município não conseguiu entrar em contato direto com Taynara Motta.
Sobre a live, o jornal O Município acompanhou a transmissão de forma simultânea e ouviu os pronunciamentos da organizadora.
Indagada por muitas pessoas nos comentários da live, Duda responde às perguntas de forma calma. A situação, inclusive, surpreendeu algumas pessoas que assistiram.
Em certo momento da live, Duda é questionada sobre Taynara, que deveria ter aparecido na transmissão, mas não compareceu. Na busca de explicar a situação, Duda diz que tentou entrar em contato com a cofundadora, porém, ela (Taynara) não respondeu.
Ainda durante a transmissão, foi possível ver a participação ativa da mãe de Duda, Grazi Poleza Rosa. Durante a live, Grazi diz defender a filha e apoiar ela nas decisões que tomar.
“Minha filha só tem intenções boas, mas infelizmente há pessoas aqui que procuram um circo. Estou vendo muitas ameaças e difamações gratuitas, é preciso ter cuidado, pois isso é crime”, diz a mãe em certa parte da live.
Sobre a presença da mãe, Duda conta que Grazi não costuma ser muito ativa, porém, ela teria ficado indignada com tudo que aconteceu. “Inclusive, ela está querendo que eu pare com o projeto”, relata a organizadora.
Seguindo as pesquisas, o grupo que realizou uma espécie de “dossiê” sobre o caso partiu para o projeto em si.
Descobriram que antes do Alimentando Necessidades, Duda já tinha um outro perfil de auxílio, o Absorvendo Necessidades, que arrecadava dinheiro para comprar e distribuir absorventes para mulheres em situação de pobreza menstrual. O projeto não existe mais desde abril.
O “dôssie” mostrou que as fotos publicadas pelo Alimentando Necessidades são as mesmas desde o ano passado. Elas aparecem, sem muita diversidade, em todas as publicações de divulgação – seja nos fios engajados, ou em pedidos de doações. As únicas imagens “diferentes”, são de Duda fazendo as marmitas.
“Aí é que está, as fotos não são antigas. A mais recente que eu tenho é a que a gente incluiu talheres de verdade para duas marmitas”, conta Duda, em resposta as afirmações.
Aliás, foi possível observar que uma das únicas duas fotos mostrando a entrega das marmitas, aconteceu em Pomerode, em frente ao restaurante do padrasto de Duda, proprietário do restaurante Temperos do Mika.
Nossa reportagem entrou em contato com Mika, que nos atendeu e confirmou a ligação de Duda com o projeto. Ele afirmou “auxiliar” em algumas compras, mas disse não ter mais informações sobre o projeto, porque é a enteada que cuida de tudo.
“É dificil encontrar alguém que, com 18 anos, faz o que ela faz nesses projetos. Ela vive nisso, o tempo todo”, afirmou Mika por telefone.
Ele ainda confirmou que moram em Blumenau, mas explicou que Duda estava viajando para “São Paulo ou Rio de Janeiro” e que tinha mudado de número de telefone, por isso, não saberia repassar. Na live, Duda afirmou que estava resolvendo problemas em São Paulo nesta segunda-feira, 26, e que por isso não conseguiria dar entrevistas pessoalmente.
Questionada sobre o Absorvendo Necessidades, a organizadora afirma que ele terminou em abril deste ano por uma divergência com outra pessoa, que ela não mencionou a identidade.
“Saí por esta divergência e ele foi encerrado logo em seguida. O valor em caixa ficou em R$ 255 e decidi doar isso para o Fluxo sem Tabu, que é um projeto semelhante”.
O jornal O Município tentou contato com o projeto Fluxo sem Tabu e questionou Duda sobre algum extrato que possa comprovar a doação, porém, até o fechamento desta matéria, não obteve respostas sobre o tema.
Questionada sobre os locais de entrega das marmitas, Duda comenta que eles estão distribuídos entre as cidades de Blumenau, Gaspar e Pomerode.
“Na Antônio da Veiga, em Blumenau, tem uma rua lateral com uns três ou quatro moradores de rua. Já no final da rua Amazonas, no bairro Garcia, em um estacionamento, sempre têm também”, comenta a organizadora.
“Na esquina que pega para a rua Humberto de Campos, quando você vêm da rua João Pessoa, não sei exatamente o nome da rua, mas ali sempre tem também. Outro ponto é na rua XV. Não é sempre que tem, mas é possível ver alguns ali na Beira-Rio também. Pega um carro e anda por esses pontos que não vais demorar para encontrar”, complementa.
A organizadora não soube informar com precisão, os pontos de doação nos municípios de Gaspar e Pomerode.
Nesta segunda-feira, 26, a suspeita de golpe se tornou um dos assuntos mais comentados no Twitter. Diversos perfis conhecidos comentaram sobre a questão, denominando o caso como “Marmitagate”. Até o perfil do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que atua fortemente na doação de alimentos nas periferias do Brasil, citou a polêmica.
MARMITAGATE! Tudo sobre o caso das marmitas falsas, segue o fio”
— MTST (@mtst) September 26, 2022
Durante toda a repercussão, muitas pessoas que fizeram doações comentaram sobre a revolta de terem possivelmente sido vítimas de um golpe. A reportagem do jornal O Município conversou com uma delas, que contou sobre como foi o contato com o projeto.
“Primeiro vi o projeto do absorvente, apareceu na minha timeline, e fiz a doação, em janeiro/22. Em abril apareceu de novo na timeline e dessa vez, sobre a distribuição das marmitas, e doei também. E sempre divulgava aqui. Na época não achei estranho. Só agora parei pra refletir, depois que você doa elas, se são duas de verdade, ignoram você por completo. Sinalizei as doações e nunca responderam. Eu já doei em outros projetos e na mesma hora a pessoa te responde e etc”, relatou Isabel Cristina Alves da Silva, do Rio de Janeiro.
Durante a live transmitida na noite desta segunda-feira, 26, Duda revela que está cogitando parar com o projeto. Ela planeja dar opções para os seguidores decidirem o que fazer com o valor em caixa, que está na casa dos R$ 17 mil.
“Pensei muito sobre isso e estou entre duas questões. Estou pensando em pegar e doar essa parte que sobrou do dinheiro para alguma instituição com objetos semelhantes (lutar contra fome)”, diz.
Questionada se toparia devolver o dinheiro aos doadores insatisfeitos com as informações que circulam nas redes sociais, Duda diz que é difícil, mas que pode ser feito.
“Se alguém fizesse muita questão de que eu devolvesse alguma coisa, é possível negociar. Não gosto de ficar devendo nada para ninguém. Seria um trabalho, porém, até onde fosse possível pagar, eu pagaria”, conclui.
Duda forneceu ao jornal O Município, contatos de um voluntário e de uma mulher que seria beneficiária das marmitas. Porém, até o fechamento desta matéria, ambos não responderam a equipe de reportagem.
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