Larvas e borboletas
Irineu Evangelista de Souza, um menino de apenas 9 anos de idade, aportou no Rio de Janeiro no início da década de 1820, ansioso por vencer na vida. Trabalhou com dedicação e afinco junto a um mercador de escravos, embora detestasse a escravidão. Despendeu a maior parte de seu tempo livre no estudo e na preparação para ser cada vez mais competente no seu trabalho. Nesse ritmo, e sabendo utilizar bem as circunstâncias e oportunidades, tornou-se o “Barão de Mauá”, o maior empresário brasileiro da época, e uma das figuras mais ilustres da nossa história, embora pouca gente saiba disso.
O jovem Mohandas Karamchand Gandhi enfrentou o apartheid da África do Sul e passou por muitas dificuldades na Índia, cujo enfrentamento corajoso e pacífico fez dele o Mahatma (Grande Alma), líder da independência daquele país e considerado Pai da Nação. Para se tornar o grande rei que veio a ser, Davi enfrentou dificuldades sem fim, intrigas, perseguições de compatriotas e estrangeiros, teve que fazer alianças com antigos inimigos para sobreviver e viveu boa parte da sua juventude entre guerras e fugas. Nesse processo, desenvolveu a habilidade e a sabedoria que fizeram dele tão ilustre figura.
É interessante como grandes homens e mulheres, que se destacam em diversas áreas e atividades, tenham enfrentado tantos empecilhos para se tornarem, de fato, grandes. Se pedem a Deus força e destreza, Ele lhes manda pedras para carregarem e obstáculos para enfrentarem, pois assim desenvolverão o que pediram. Se pedem sabedoria, são colocados diante das situações mais difíceis, para que exercitem a reflexão e aprendam a ouvir seus corações. Nessa estranha, mas bela pedagogia, nada parece ser entregue em pacotes com laços. Cada conquista é sempre precedida pela fadiga e pela renúncia de quem realmente deseja conquistar. Como disse Saint-Exupéry na boca da flor do “Pequeno Príncipe”, é preciso suportar duas ou três larvas se quisermos conhecer as borboletas.
Se olharmos para trás, poderemos avaliar nossa trajetória sob essa perspectiva. Em todas as dificuldades, mormente nas piores, como gostaríamos de termos sido poupados delas! Mas ao enfrentá-las, e do modo como as enfrentamos, construímos o que somos. Se fomos fracos e escapamos pela tangente, teremos evitado algum sofrimento e trabalho, mas igualmente perdido a oportunidade de crescer. Se suportamos com honestidade e brio, fazendo todo o melhor que estava ao nosso alcance, então, independente do resultado final, nos tornamos melhores. Para quem está começando a vida e olhando para frente, com sonhos e projetos, que se prepare para enfrentar as dificuldades e, acrescento, deseje-as, pois elas serão, de certa forma, a medida do sucesso que virá.
Nas escolas e universidades, muitos estudantes estão apenas aguardando que lhes seja passado o conteúdo pronto, o resultado, a informação mastigada. Querem a borboleta sem passar pela larva. Mas, no conhecimento, posso afirmar que as larvas são mais importantes que as borboletas, pois a inteligência se desenvolve de fato no processo de reflexão, no enfrentamento das questões difíceis, na labuta de fazer acontecer dentro de si o embate de ideias, contradições aparentes, temas de início quase incompreensíveis que, com esforço e paciência, se vão deixando desvelar. Daí provém um conhecimento genuíno. Sem isso, teremos borboletas sem brilho, como o são o dinheiro conseguido por vias escusas ou a posição adquirida sem mérito.
Não pretendo, de modo algum, fazer apologia do sofrimento, pois não sou masoquista. No entanto, a vida sempre se encarrega de colocar à nossa frente os desafios e obstáculos de que necessitamos e que estão de acordo com nossa capacidade. Nessa superação talhamos nosso caráter. Mesmo naquilo que consideramos derrota, a luta árdua sempre nos reservará nossa quota de recompensa, pois há muito mais mérito e honra numa derrota honesta que numa vitória torpe. Borboletas que nunca foram larvas podem até existir, mas não têm a menor graça.