Luz, câmera, ação: brusquenses relembram os tempos áureos do cinema na cidade
Cinema era a principal diversão dos jovens, que aproveitavam o momento também para paquerar
Cinema era a principal diversão dos jovens, que aproveitavam o momento também para paquerar
Quando se fala em cinema, inúmeras são as lembranças dos tempos áureos em que a juventude de Brusque tinha como principal diversão ver filmes nas noites de domingo no Cine Colyseu ou Cine Real.
O Centro da cidade ficava movimentadíssimo horas antes da sessão. Rapazes e moças vestiam suas melhores e mais elegantes roupas para assistir ao filme da semana e também paquerar, não necessariamente nesta ordem. Homens só entravam no cinema de terno e as mulheres usavam seus vestidos mais elegantes para assistir aos filmes.
Aos 95 anos e com uma memória invejável, o médico Germano Hoffmann lembra muito bem sobre os domingos de cinema em Brusque.
Ele teve o primeiro contato com a telona quando criança, em Florianópolis, quando viveu na casa de seu tio para estudar. Lá, ele e o primo frequentavam o Cine Odeon todos os sábados, para assistir às aventuras de Tarzan.
Em Brusque, doutor Germano também frequentou o cinema. Já rapaz, participou muito do footing – momento em que os rapazes formavam um corredor na avenida Cônsul Carlos Renaux para que as moças pudessem desfilar antes do horário do filme.
“Nas tardes de domingo, se fazia duas carreiras de homens e no meio dessa carreira as moças desfilavam. Este trajeto começava onde hoje é a Casas Bahia, antiga Lojas Renaux, e ia até a praça Barão de Schneeburg”.
Era no footing que a paquera aflorava. Quando a moça concedia a permissão para o rapaz acompanhá-la no cinema para assistirem ao filme juntos, era uma felicidade só.
“O grande movimento era o encontro de namoro. A gente ficava parado e pedia para acompanhar até o cinema. Era um tempo muito bom”, recorda.
Seu Érico Zendron, 93 anos, também lembra bem das antigas sessões de cinema em Brusque. Em sua juventude, participou ativamente do footing que antecedia os filmes.
“Era o momento para paquerar. Arrumar namorada. Uma certa vez, acompanhei uma moça que estava a passeio em Brusque. Ela estava ficando lá perto da Fábrica Renaux. Depois do filme fui acompanhá-la até em casa. Fomos caminhando, eu, ela e as amigas até lá, e pra eu voltar caminhando depois? Foi uma pernada”, brinca.
Doutor Germano lembra que, por algum tempo, os filmes vinham em grandes rolos, divididos em duas ou até três partes. Como o cinema tinha apenas uma máquina, para colocar o novo rolo e continuar o filme, tinha um intervalo.
“Para continuar tinha que desenrolar e colocar o segundo rolo. Nesse intervalo, contratavam músicos, geralmente viola e violão, para tocar. Eles dançavam e quando acabava de desenrolar, todo mundo voltava para o seu lugar para continuar o filme”.
Quando criança, entre as décadas de 1930 e 1940, seu Érico Zendron lembra que ajudava a pintar os cartazes do Cine Colyseu. “Eu tinha uns 13, 14 anos. O seu Henrique Bratting fazia os cartazes grandes e eu ia preenchendo. O Cine Colyseu era grande, na parte de cima tinha uma galeria feita com muro e as cadeiras eram presas”.
Após seu retorno a Brusque, já casado com Lya Vianna Hoffmann [in memoriam], doutor Germano voltou a frequentar o cinema na cidade.
“A esposa era de Florianópolis, então a gente ia muito no cinema, eu levava ela para se distrair, porque era acostumada com cidade grande”.
Com o tempo, entretanto, doutor Germano foi ficando mais conhecido na cidade. Além de atender em seu consultório e também fazer atendimento a domicílio, ele começou a atuar como médico do sindicato têxtil. A carga de trabalho aumentou e as idas ao cinema eram interrompidas pelas emergências.
“À noite, quando eu estava no cinema, a ambulância vinha com o motorista e a enfermeira e aí no meio do filme o alto falante me chamava para a emergência. Eu tinha que sair e a minha mulher ficava, nem sempre eu conseguia voltar a tempo de continuar o filme”.
Entre os filmes mais marcantes, doutor Germano lembra de O Intrépido General Custer, que assistiu quando tinha 15 anos. O ator Errol Flynn interpretava George Armstrong Custer, que se tornou um dos personagens mais importantes do conflito que ficou conhecido como a Guerra de Secessão dos Estados Unidos.
“No filme, ele se muda com a família, e os índios começam a atacar. Ele recebeu ordem para combater os índios, mas ele sabia que ia morrer porque o número de homens do exército era pequeno. Ele se despede da esposa e da filha. Elas ficam chorando e ele sobe no cavalo e vai embora”, lembra, emocionado.
Quem também tem muitas lembranças sobre os antigos cinemas de Brusque é o tabelião aposentado Cesar Gevaerd, 72 anos.
Ele conta que havia sessões alternadas entre o Cine Colyseu e o Cine Real, de propriedade de Henrique Bratting e Arno Carlos Gracher, respectivamente.
Cesar começou a frequentar o cinema a partir de 1958, na sessão das 14h. Antes do filme, os meninos se reuniam para trocar revistas em quadrinhos.
“Nós ficávamos ansiosos porque uma hora antes do cinema, cada um levava uma pilha de gibi para trocar por outras. A gente mostrava a capa, observava o estado de conservação e fazia a troca. Eu só trocava por gibis bem conservados e que eu não tinha lido ainda”.
De acordo com ele, a sessão das 14h era destinada para as crianças e adolescentes. Os filmes eram Zorro, Lassie, Rin Tin Tin e outros de faroeste. Cesar, entretanto, também conseguia assistir a sessão das 16h.
“Quando acabava a sessão das 14h do Cine Colyseu, o seu Henrique Bratting me convocava com mais dois guris para dar uma varrida no cinema para a sessão das 16h. Depois que a gente limpava, ganhava um bilhete para ver a sessão das 16h que era um filme diferente”, recorda.
Entre os filmes mais marcantes da época, Cesar cita Amor Sublime Amor, marcante pela trilha sonora, Ben Hur e Sete Homens e um Destino.
Além dos cinemas fixos no Centro, os moradores dos bairros de Brusque podiam assistir filmes nas sessões itinerantes realizadas por Carlos Gevaerd.
Para as projeções, além da máquina 16mm, ele utilizava uma tela grande, de plástico, onde os filmes eram exibidos. Os filmes eram clássicos do cinema dos anos 1920 a 1940, e Carlos, que não falava inglês, conhecia de cor e salteado os nomes dos artistas e diretores da época.
“Ele contava que a alegria do pessoal, quando assistiam às projeções, era o momento de rebobinar os rolos de filme e assistir as cenas passando de trás para frente”, conta Marcelo Gevaerd, filho de Carlos.
Os filmes vinham em dois rolos e, quando o primeiro terminava, era preciso pausar e trocar para o próximo. Após a exibição, era o momento de Carlos rebobinar, e muita gente ficava até depois do fim dos filmes para ver as cenas ao contrário.
Carlos Gevaerd projetou filmes em Brusque, Guabiruba e Canelinha entre o início da década de 1950 e meados dos anos 1960, quando a televisão chegou à cidade.
O anuário Notícias de Vicente Só, publicado em 2017, traz artigo de Aluizio Haendchen Filho sobre a história do cinema em Brusque.
De acordo com a publicação, o cinema na cidade surgiu em 1908, por meio de José Julianelli. Ele era dono de um cinematographo, um projetor móvel utilizado para realizar sessões de cinema itinerantes, que ele fazia em Brusque e região.
O primeiro cinema fixo de Brusque, entretanto, surgiu em 1913: o Cinema Moderno, de propriedade de Willy Stracker e que funcionava no salão do Hotel Zum Deutscher Kaiser.
Por volta de 1914, João Schaefer compra o maquinário do cinema e o transporta para o salão do seu hotel, chamado Hotel Schaefer. Em 1915, Carlos Gracher arrendou o hotel e passou a dirigir o cinema, que ganha um novo nome: Cine Esperança. Foi como Cine Esperança que Brusque teve seu primeiro filme sonoro, em janeiro de 1932.
Com o novo equipamento, Carlos Gracher muda o nome do cinema para Cine Guarany. Então, pela primeira vez em Brusque, no ano de 1932, foi exibido um filme falado, musicado e cantado, denominado “Ganhando o Mundo”.
Em 1935, Henrique Brattig alugou o então Cine Guarany, e mudou o nome para Cine Colyseu em 1936. O Cine Colyseu funcionou nas instalações do Hotel Gracher durante dez anos, de 1935 até 1945.
Em 15 de setembro de 1945, Henrique Brattig transferiu o cine para o novo prédio.
Depois da mudança do Cine Colyseu para o novo prédio em 1945, o Cine Guarany voltou a funcionar no local, com os mesmos equipamentos, uma vez que Henrique Brattig adquiriu novos para o Cine Colyseu.
Quatro anos depois, em 1949, o cinema em Brusque teve mais uma evolução. Arno Gracher promoveu uma ampla reforma no antigo Cine Guarany e passou a se chamar Cine Real, funcionando até 1994.
A cidade ficou sem cinema durante cinco anos, até a inauguração do atual Cine Gracher, em 1999.