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Madonna, a mulher do ano

Se este assunto não passou na sua timeline esta semana, fica o conselho: mude de amigos. Siga outras pessoas, vá atrás de páginas e pessoas que compartilhem conteúdo melhor. Porque, que mais não seja, o discurso da cantora é o “texto do ano”, em termos de visão feminina do mundo. Foi proferido pela rainha do pop ao receber o prêmio de Mulher do Ano no evento Women in Music da revista Billboard.

Vamos a recortes do que ela disse…

“[…]Meu muso verdadeiro foi David Bowie. Ele personificava o espírito masculino e feminino e isso me agradava. Ele me fez pensar que não havia regras. Mas eu estava errada. Não há regras se você é um garoto. Há regras se você é uma garota. Se você é uma garota, você tem que jogar o jogo. Você tem permissão para ser bonita, fofa e sexy. Mas não pareça muito esperta. Não aja como você tivesse uma opinião que vá contra o status quo. Você pode ser objetificada pelos homens e pode se vestir como uma prostituta, mas não assuma e se orgulhe da vadia em você. E não, eu repito, não compartilhe suas próprias fantasias sexuais com o mundo. Seja o que homens querem que você seja, e mais importante, seja alguém que as mulheres se sintam confortáveis ao estar perto de outros homens. E por fim, não envelheça. Porque envelhecer é um pecado. Você vai ser criticada e humilhada e definitivamente não tocará nas rádios.

Antes que alguém leve esses conselhos a sério, talvez seja bom explicar que a diva pop está sendo escancaradamente irônica. Ou revolucionária. Pelo jeito, embora Madonna, como todas as divas, pareça ser “embrulhada para presente” pela indústria do entretenimento, o componente provocador de sua trajetória pode ter sido forte demais para a sociedade. Seria quase surpreendente, se de repente eu não percebesse as décadas de preconceito que eu, pessoalmente, tive em relação a ela. Não enxergar o que ela representou em termos de ruptura da imagem feminina é uma vergonha. Ela continua. Fala que foi deixada em paz enquanto estava casada com Sean Penn – até porque, como quem viveu a época lembra, ele a defendia com os próprios punhos.

“[…]Divorciada e solteira, fiz meu álbum ‘Erotica’ e meu livro ‘Sex’ foi lançado. Eu me lembro de ser a manchete de cada jornal e revista. Tudo que lia sobre mim era ruim. Eu era chamada de vagabunda e de bruxa. Uma das manchetes me comparava ao demônio. Eu disse ‘Espera aí, o Prince não está correndo por aí usando meia-calça, salto alto, batom e mostrando a bunda?’ Sim, ele estava. Mas ele era um homem. Essa foi a primeira vez que eu realmente entendi que mulheres não têm a mesma liberdade dos homens.

Eu me lembro de desejar ter uma mulher para me apoiar. Camille Paglia, a famosa escritora feminista, disse que eu fiz as mulheres retrocederem ao me objetificar sexualmente. Então eu pensei, ‘Se você é uma feminista, você não tem sexualidade, você a nega’. E eu disse ‘Dane-se. Eu sou um tipo diferente de feminista. Sou uma feminista má’.”

Nos últimos anos, tem sido fácil tropeçar em críticas e comentários sobre o envelhecimento de Madonna. Quase como se ela não tivesse mais o direito de ser quem é, de continuar fazendo turnês e lançando álbuns. Como se todo o circo pop fosse direito exclusivo dessa entidade animada e despótica chamada juventude. E, se envelhecer já é um pecado em si, o envelhecimento feminino é quase um escândalo. Se as pessoas fossem transparentes, diriam “tire da nossa frente essa velha que não sabe se comportar”. Alguém ainda lembra do escândalo midiático daquela foto de Betty Faria de biquini na praia? Pois é.

Voltemos ao discurso.

Eu acho que a coisa mais controversa que eu já fiz foi ficar aqui. Michael se foi. Tupac se foi. Prince se foi. Whitney se foi. Amy Winehouse se foi. David Bowie se foi. Mas eu continuo aqui. Eu sou uma das sortudas e todo dia eu agradeço por isso. O que eu gostaria de dizer para todas as mulheres que estão aqui hoje é: mulheres têm sido oprimidas por tanto tempo que elas acreditam no que os homens falam sobre elas. Elas acreditam que precisam apoiar um homem. E há alguns homens bons e dignos de serem apoiados, mas não por serem homens, mas porque eles valem a pena.

Como mulheres, nós temos que começar a apreciar nosso próprio mérito. Procurem mulheres fortes para que sejam amigas, para que sejam aliadas, para aprender com elas, para as inspirem, apoiem e instruam.

Aos agradecimentos finais de Madonna – às mulheres que a apoiaram e a todos que duvidaram dela, fazendo com que ela ficasse mais forte – eu acho que me sinto na obrigação de acrescentar os meus. Madonna Louise Ciccone, obrigada. Obrigada por mostrar claramente que a luta da mulher por seu lugar no mundo se faz em todas as frentes, de todas as maneiras. Por mostrar que boa parte do que eu não gostava em você (afora a música em si, que continuo não sendo fã) era algo externo a mim, um machismo horizontal, filtrado pelas mulheres, que desemboca em julgamento, dedos apontados e uso de palavras do tipo piriguete. Você tem – e sempre teve – o direito de ser quem é e quem quer ser. Assim como todas (e todos, evidentemente) nós. A gente agradece por seus ferimentos de batalha!

 

Claudia Bia – jornalista e não muito afeita a divas, até agora.