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Mãe entra na Justiça para que filha autista seja retida na educação infantil em Brusque; entenda o caso

Secretaria de Educação negou o pedido da mãe, que questiona a falta de diálogo com a pasta

Mãe entra na Justiça para que filha autista seja retida na educação infantil em Brusque; entenda o caso

Secretaria de Educação negou o pedido da mãe, que questiona a falta de diálogo com a pasta

Uma mãe de Brusque entrou na Justiça com um pedido de tutela de urgência para que a filha tenha o direito de permanecer no Pré 2 neste ano letivo.

A menina completa seis anos em março e, pela legislação, deve ser matriculada no primeiro ano do ensino fundamental. Acontece que ela é diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e, de acordo com a mãe, não está preparada para esta nova etapa do ensino, o que trará problemas para seu desenvolvimento.

Desta forma, a família busca a retenção da menina, ou seja, que ela repita a mesma série que cursou no ano passado, para que consiga desenvolver melhor algumas habilidades na educação infantil antes de passar para o ensino fundamental.

A decisão de entrar na Justiça acontece após a mãe, Márcia Faria, que é presidente da Associação dos Pais, Profissionais e Amigos dos Autistas de Brusque e Região (AMA), ter o pedido de retenção negado pela Secretaria de Educação.

De acordo com a mãe, a pasta usa como justificativa para negar a retenção da filha a resolução do Conselho Nacional de Educação, que define as diretrizes para a matrícula inicial de crianças na educação infantil e no ensino fundamental. A resolução diz que é obrigatória a matrícula no ensino fundamental de crianças com 6 anos completos ou a completar até o dia 31 de março do ano da matrícula. 

A pasta informa ainda sobre resolução do Conselho de Educação de Brusque, que também torna obrigatória a matrícula no ensino fundamental de todas as crianças com seis anos completos ou a completar até 31 de março.

Márcia, entretanto, questiona a falta de diálogo e flexibilidade da Secretaria de Educação, já que a filha é autista e tem transtorno de aprendizagem.

“A escola é a favor da retenção, a família é a favor. Eu escrevi uma carta solicitando e pontuando todos os motivos, informei que tenho laudo médico que também recomenda a retenção, mas foi negado sem nenhuma possibilidade de diálogo, não consegui nem apresentar os laudos médicos”.

Exceção à regra

Outro ponto questionado pela mãe é de que casos semelhantes já aconteceram em Brusque e foram prontamente atendidos na rede privada de ensino. Inclusive, uma família conseguiu reter o filho neste ano letivo em uma escola particular.

“Essa regulamentação que é federal e municipal também atinge essas escolas [privadas], mas elas têm a linha do bom senso, de se abrir ao diálogo e entender que para essa regra é possível abrir exceção”, destaca a ex-presidente da AMA, Guédria Motta.

“Não encontramos referência específica a crianças com deficiência ou com transtornos de neurodesenvolvimento nas legislações apresentadas pela secretaria, mas sabemos que todas as regras necessitam de exceção”, completa.

Guédria cita como exemplo o caso de seus filhos, que são autistas, e estudam em uma escola privada de Brusque. Após avaliação entre a família, escola e o médico, decidiu-se que o mais velho não seria retido e continuaria acompanhando a turma no ensino fundamental.

Já o filho mais novo fez o Pré 1 pela segunda vez em 2021. Em 2022 passou para o Pré 2 e agora iniciou o primeiro ano do ensino fundamental. “Ele começou 2022 sem nem encostar no lápis. E hoje ele já entra no primeiro ano sabendo somar. Imagina se ele tivesse ido para o primeiro ano em 2022, quando ainda nem tocava o lápis. Para ele, foi muito bom ter sido retido”, diz.

Márcia afirma que não significa que todas as crianças com deficiência precisam ser retidas. O que ela busca é que todas as famílias tenham esse direito na rede pública de forma tranquila, assim como já acontece nas escolas privadas. 

A mãe destaca que a filha iniciar o ensino fundamental neste ano vai aumentar ainda mais as dificuldades da menina na escola e, consequentemente, requerer uma atenção maior dos professores e monitores.

“Minha filha não tem requisitos para ir para a primeira série. Por mais que a escola tenha vontade, capacitação, para uma criança de um nível de suporte dela acaba sendo insuficiente e vira uma bola de neve. Vamos colocar mais demandas nessa criança, sendo que ela não atende nem as demandas do Pré 2, e a cada ano vai ficar mais difícil, não só para ela, mas para a escola também”.

Márcia afirma que por meio da AMA vai tentar buscar uma forma de mudar esta situação. “No caso da minha filha, eu vou judicializar. Mas e quem não tem dinheiro para pagar advogado para tentar? Precisa dessa flexibilização, e vamos buscar uma nova regulamentação, com critérios que contemplem as crianças com deficiência?”, diz.

“Parece que estamos tumultuando, mas o que a secretaria não entende é que estamos mais do lado deles do que eles imaginam. Uma criança retida de uma forma consciente e correta, vai representar no futuro menos apoio, menos suporte, menos necessidade de adaptação”, finaliza.

O que diz a Secretaria de Educação

A reportagem de O Município entrou em contato com a Secretaria de Educação para comentar o caso. A secretária Eliani Busnardo Buemo destaca que a mãe entrou em contato com a pasta via telefone no fim de 2022 e conversou com a diretora de educação infantil, que explicou sobre as questões pedagógicas da data de corte.

De acordo com a secretária, a mãe formalizou via e-mail o pedido de retenção no dia 12 de janeiro e a resposta foi encaminhada no dia 16 de janeiro.

No dia 31 de janeiro foi realizado, com a presença da diretora do ensino fundamental, do diretor da escola, da coordenadora pedagógica, da psicóloga e psicopedagoga do Núcleo de Apoio Multiprofissional à Educação Inclusiva (Namei), e da professora do atendimento educacional especializado, o atendimento à mãe na unidade escolar para tratar sobre as adaptações e adequações para atendimento da criança no 1º ano do ensino fundamental.

Eliani afirma que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação foi atualizada por emenda constitucional, antecipando o acesso ao ensino fundamental para os 6 anos, com isso, a pré-escola passou a fazer parte integrante da educação básica.

“Já a Emenda Constitucional nº 59 de 2009, determinou a obrigatoriedade da Educação Básica dos 4 aos 17 anos, portanto, a educação infantil passa a ser obrigatória para as crianças de 4 e 5 anos e passa a ser a primeira etapa da educação básica e não uma etapa preparatória ou pré-requisito para a matrícula no ensino fundamental”, diz.

A secretária destaca ainda que com a homologação da Base Nacional Comum Curricular em 2017, definiu-se que o processo avaliativo da criança na educação infantil é “sem intenção de seleção, promoção ou classificação de crianças em ‘aptas’ e ‘não aptas’, ‘prontas ou não prontas’, ‘maduras’ ou ‘imaturas'”.

De acordo com Eliani, a rede municipal recebe pedidos constantes tanto de retenção quanto de avanço de série, principalmente para as crianças que completam 6 anos em 1 de abril e buscam a matrícula no ensino fundamental.

“E é exatamente por isso que a regulamentação do corte etário foi definida. Sem uma data limite de âmbito nacional haveria uma desorganização do sistema de ensino”, diz.

A data de corte que a secretária se refere é uma norma homologada pelo Conselho Nacional de Educação, em que estabelece que é a obrigatória a matrícula no ensino fundamental de crianças com 6 anos completos ou a completar até 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula. A regra também foi incluída em resolução do Conselho Municipal de Educação de Brusque em 2019.

“Saliento que em 31 de março de 2018 o Supremo Tribunal Federal  julgou constitucional a fixação da data limite de 31 de março para matrículas tanto na educação infantil quanto no ensino fundamental. A decisão da Corte foi pela constitucionalidade da idade limite e do corte temporal, previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e em normas do Conselho Nacional de Educação”.

Questionada sobre a possibilidade de alteração na resolução do Conselho Municipal de Educação sobre o tema, a secretária afirma que esta não é uma decisão de âmbito municipal, e sim uma resolução nacional, julgada pelo STF como constitucional.

“Cabe ao município seguir as normas vigentes e atender os estudantes com deficiência garantindo o seu direito à educação. A Secretaria Municipal de Educação trabalha para atender as características dos estudantes com deficiências , realizando as medidas individuais e coletivas para maximizar a inclusão ,bem como, o atendimento educacional especializado conforme as normas das políticas de Educação Especial no âmbito do Sistema Municipal de Ensino do Município  de Brusque”.


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