X
X

Buscar

Mais de 2 mil filósofos se formaram em Brusque nos últimos 90 anos

Curso de filosofia da faculdade São Luiz foi inaugurado em 1933; ex-alunos comentam sobre a importância do conhecimento para a sociedade atual

Neste ano, o curso de Filosofia da faculdade São Luiz completou 90 anos em Brusque. No período, mais de 2 mil filósofos foram formados no município, conforme o coordenador do curso, padre Aléssio da Rosa.

Muitos deles vieram de outros municípios. É o caso do próprio Aléssio, natural de São Martinho, no Sul do estado, que veio a Brusque em 1995 para estudar filosofia.

Após anos de dedicação a carreira do sacerdócio, em 2009 ele voltou para o curso e focou na área da docência. Então, realizou o mestrado em filosofia e, em 2018, finalizou o doutorado. A área de pesquisa escolhida por ele é ética e bioética. Trata-se de reflexões sobre temas polêmicos, conectados com a atualidade e sobre a vida, como a eutanásia.

Segundo ele, a filosofia é importante para o ser humano conseguir evoluir como sociedade. Para isso, ela se conecta de duas formas com o mundo em que vivemos.

“Primeiro, a filosofia é algo para o meu dia a dia. Minhas escolhas, o jeito que me coloco diante da vida, questões, decisões e angústias. A filosofia me ajuda a fazer esse diálogo. Segundo, a filosofia sempre está embasada em um diálogo. Posso discordar de você, mas tenho que te ouvir. Preciso te respeitar na sua opinião, para te ouvir e poder concordar em alguns pontos ou discordar”, comenta.

Neste sentido, essa busca da reflexão sobre o outro é um desafio, inclusive para a democracia. “Às vezes não se permite a pessoa expor um pensamento. Pior, tem a ideia de que o diferente tem que ser eliminado ou, nas redes, cancelado por expressar uma opinião diferente da minha”, diz.

“A radicalidade do nosso mundo atual vai, justamente, ao contrário do mundo da filosofia, onde sempre tivemos as discussões. O outro teve espaço para manifestar a opinião dele e gerar o debate. As ideias precisam ser discutidas”, completa.

Padre Aléssio vê na filosofia uma forma de observar os passo que ele dá na própria conduta, além do conhecimento e diálogo com diferentes culturas | Foto: Luiz Antonello/O Município

Outro ex-aluno do curso é o professor e filósofo Paulo Becher Junior, natural de Joinville. Ele estudou no curso entre 1998 a 2000, quando o espaço ainda era da Fundação Educacional de Brusque (FEBE).

Com mestrado e doutorado, Paulo focou os estudos em Filosofia na Educação, no qual pensa na educação como propositora de valores. Hoje, ele é professor na faculdade.

“Penso que a importância da filosofia se dá pelo caráter investigativo. Existe um termo bonito para falar disso, que a filosofia tem um valor eurístico. Ao investigar, a gente abre possibilidades e buscamos outras alternativas. A filosofia nos dá oportunidade de mudar de ideia, pois não preciso pensar sempre da mesma maneira. Posso me orientar e me reorientar, sempre que for possível e necessário. A filosofia alarga os nossos horizontes e nos ajuda a amadurecer”, comenta.

Para ele, a vida do ser humano é o grande mote filosófico e essas reflexões estão no dia a dia. Portanto, a filosofia não é um conhecimento erudito que só está acessível a alguns, mas algo que faz parte do cotidiano. “A filosofia nos dá oportunidade de olhar para o avesso das coisas, aquilo que não está exposto”, completa.

Mulheres filósofas

Lara com a filha Laís da Luz Batisti, de 2 meses | Foto: Luiz Antonello/O Município

A brusquense Lara Emanuele da Luz Batisti se formou em filosofia em 2015 na faculdade São Luiz. Ela recorda que foi a mãe, Margit Silvana da Luz, já falecida, que a influenciou a se matricular, por conta do hábito da leitura.

“Eu não sabia nem que existia o curso em Brusque. Quando a gente pensa em filosofia, pensamos em homens filósofos, pensamos em padres ou seminaristas. Fomos eu e meu pai até a faculdade São Luiz, o padre Silvano Costa nos recepcionou. Com histórico, acabei passando. Então, era eu e mais 50 seminaristas na turma”, recorda.

Quando iniciou as aulas, Lara relembrar que chamou a atenção, mas sempre foi muito respeitada. “Vieram falar comigo, pois eu parecia uma alienígena perto deles. Falei que a culpa era da minha mãe e disse que faria um semestre e iria sair. Mas, em uma atividade na aula de introdução em Filosofia do padre Silvano, fizemos um debate com base na matemática e aquilo ali me encantou. Aí me apaixonei pela filosofia”, ressalta.

Lara se graduou, engatou no mestrado e depois no doutorado. A linha de pesquisa dela é Ética e Filosofia Política, com estudos focados na filósofa Hannah Arendt. Ela trabalha com estudos sobre totalitarismo nazista e campos de concentração.

Ao refletir sobre como é ser mulher filósofa, Lara comenta que há dificuldades. Entretanto, a filósofa aponta que a formação de mulheres na área está sendo cada vez mais incentivada. Ela cita que em um encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (Anpof) existe uma comissão que se estimula cada vez mais mulheres a serem filósofas. “Nos últimos anos, vemos mais impactos disso na área da filosofia”, afirma.

Hoje, Lara é professora do Colégio e Faculdade São Luiz. “O meu coração é aqui, é onde me formei e me sinto bem”, completa.

Um curso, incontáveis filósofos

O padre Aléssio aponta que, inicialmente, o curso da faculdade São Luiz estava integrado a outras áreas, como pedagogia, por exemplo. “No início, eram turmas pequenas. Mas, nos anos 1990, passaram a ter turmas maiores. Hoje, são 60 estudantes”, conta.

Para a região de Brusque, Aléssio aponta que o curso de filosofia contribui para quem permanece na cidade, trabalhando na área da educação ou na administração pública local. Contudo, também tiveram alunos que foram trabalhar na Nasa e outros que moram fora do Brasil.

“Hoje, a gente abriga alunos de Santa Catarina inteira. São pessoas de 18 ou 50 anos, homens e mulheres, na filosofia não tem distinções. Essas pessoas não ficaram simplesmente em seus lugares, mas vão promover esse diálogo com a sociedade. Seja com as instâncias educacionais, a administração pública ou na promoção de políticas públicas para as cidades”, continua.

Também formado em Brusque, Celso Kraemer veio de São José do Cedro, no extremo Oeste catarinense, em 1988. Ele trabalha na Furb desde 1991. “Essa formação me deu uma nova diretriz na minha vida, me qualificou para a docência, inclusive no ensino superior”, conta.

Na nossa região, Celso aponta haver filósofos formados no curso atuando desde a educação básica e superior, mas também nos ramos de ciências jurídicas, no serviço público e atividades políticas.

“A formação de filosofia se dá em torno do nível de compreensão do mundo, mas também, do nível de criticidade, de cidadania e da ética. A filosofia não se restringe à produção de um discurso filosófico fechado, mas se amplia e se dissemina no tecido social. Isso vai fazendo a diferença para uma região, como a nossa”, explica.

Questionar o status quo faz parte do cotidiano do filósofo, segundo Paulo | Foto: Luiz Antonello/O Município

Paulo observa que o curso contribui para desenvolver o hábito de pensar de forma crítica e racional. Assim, segundo ele, o indivíduo a desenvolve a sua própria humanidade.

“Estamos há 90 anos ensinando filosofia ininterruptamente em Brusque. Parece que a grande vantagem disso é que a filosofia contribui decisivamente com a formação cultural da cidade e da região. São formadas pessoas conscientes e críticas, que têm a possibilidade de fazer perguntas e estabelecer um saber que está além do saber profissional e técnico”, destaca.

Filosofia na realidade

Celso trabalha na Furb, em Blumenau, desde 1991 | Foto: Divulgação

Segundo Celso, a filosofia é uma das atividades da inteligência humana que se conecta com a existência de cada pessoa, individualmente, mas também com as grandes questões de comunidades, de países e do planeta.

“A filosofia é esse exercício fundamental para termos compreensão de quem somos em relação ao Universo, e quem nós nomos no planeta Terra, na nossa comunidade e nos ciclos de amizade e família. A filosofia tem a sua relevância em cada gesto que cometemos”, reflete.

Ao pensar no mundo atual, Lara aponta que vivemos em uma era utilitária, que está ao tempo todo em movimento e é bombardeada de estímulos, como as redes sociais. A filósofa cita o autor contemporâneo Byung-Chul Han, autor de Sociedade do Cansaço.

“Ele aponta que vivemos em uma sociedade extremamente positiva, temos estímulos ao tempo todo, e consumo ao tempo todo. Então, a filosofia não é como uma engenharia mecânica, por exemplo, que traz um resultado. A filosofia não traz um resultado imediato e quando traz são várias possibilidades. Não temos uma coisa definida, ou algo único, e isso é um problema”, conta.

Outra questão, segundo Lara, é o preconceito que se tem contra filósofos. “Quando se pensa em filosofia, e não se pensa em seminarista, associam a malandragem ou ao ócio, como algo ruim”, aponta.

“Muitas pessoas têm um certo olhar da filosofia como sendo para loucos ou desocupados. Ou de se ficar discutindo ideias que não levam para lugar nenhum. É justamente uma luta nossa mostrar que a filosofia é para todos que queiram pensar e engajar-se no questionamento a respeito da vida, e isso perpassa a todas as gerações. Ou seja, não é direcionada para uma faixa etária específica”, complementa padre Aléssio.

Lara ressalta que a filosofia questiona a sociedade atual para repensar de que forma estamos vivendo. “Por estarmos em um mundo utilitário, muitas pessoas não pensam na filosofia como plano de carreira por não ter um resultado imediato ou financeiro grande. É filosofia, mas fiz o que eu amo. Sabia que não seria milionária, mas faço o que eu amo e isso me satisfaz”, finaliza.


Veja agora mesmo!

Costureiro da República Dominicana conseguiu emprego em Brusque em três dias: