Mais uma vez, Michael Jackson
Uma vez, a propósito das acusações contra Woody Allen, eu disse, aqui nessas mesmas páginas beltranas: “nesse tempo de denúncias necessárias de assédio e outras violências sexuais, em que verdade a gente deposita a nossa fé? Não tem como deixar de dar ouvidos e credibilidade para as vítimas, é claro. Mas (e peço desculpas pelo “mas”!) não tem como não pensar que entre as vítimas reais é bem fácil infiltrar alguém que tenha interesse em prejudicar o denunciado. Ainda mais nestes tempos em que, antes de qualquer julgamento complicado, os acusados recebem sanções sociais e profissionais”. Agora, sou obrigada a repetir as mesmas palavras – e as mesmas dúvidas.
Tudo isso a propósito das notícias sobre o documentário que ainda não tivemos a chance de assistir, aquele que causou furor no Sundance Festival. Aquele que traz novamente à tona a questão de Michael Jackson ter ou não cometido abuso sexual contra meninos. Leaving Neverland.
Quem assistiu ao documentário no festival o definiu, no mínimo, como perturbador. Os relatos detalhados de Wade Robson e James Safechuck, agora adultos, sobre o período em que se relacionaram com o ídolo pop, estão apoiados em áudios e bilhetes do cantor. São quatro horas de duração. Pelas reações do público e da mídia, o filme está longe de ser sensacionalista e vazio. Nós, infelizmente, só vamos poder ter uma opinião própria no segundo semestre, quando Leaving Neverland entrará na programação do HBO.
Até lá, fica o exercício das dúvidas: artista e obra são indissociáveis? A gente pode admirar a obra mesmo depois de colocar em dúvida quem está por trás dela? Nosso julgamento leva em consideração o homem ou o ídolo? Acreditamos nos fatos ou no que queremos crer? Aliás, como separar fato de versão? Como separar denúncia válida de segundas intenções?
Perguntas difíceis, mas as respostas são fundamentais – e não só nessa velha questão de inocentar ou culpar Michael Jackson. São ferramentas que podem nos ajudar a entender melhor nossa relação com o mundo.
Claudia Bia – jornalista e perguntadeira