Margaret Atwood, a dona da aia
Mulheres que se destacaram em 2018
Antes das férias, propus para todas as moças beltranas que escrevessem sobre mulheres que foram destaque em 2018, um ano em que questões femininas estiveram tão em evidência, em seus vários tons. Se tudo der certo, vamos trazendo mais mulheres de destaque nas próximas semanas. Porque, como sempre, uma ideia leva a outra. Se você quiser participar, é só entrar em contato. Pode ser nas redes sociais ou através do email claudiabia@omunicipio.com.br
A dona da aia
Escolhi, para destacar, uma autora canadense, cujo livro mais influente foi lançado, veja só, em 1985. Sua versão para TV, que tornou a história popular em todo o mundo, já tem dois anos. Ou seja, aparentemente, não tem um pingo de lógica em colocar a escritora entre os destaques de 2018. Mas eu prometo explicar direitinho.
A veterana Margaret Atwood escreveu o livro O Conto da Aia, The Handmaid’s Tale, como uma “ficção especulativa”. Mas a palavra mais usada para descrever o livro e a série produzida pelo serviço de streaming Hulu é distopia. E é como distopia que a série é importante, ganhando mais importância a cada temporada. A primeira, lançada em 2017, apresentou ao público a estrutura social e política dos Estados Unidos, rebatizados Gilead, após a tomada de poder de fundamentalistas cristãos, em um tempo em que a falta de consciência ecológica levou a um nível alarmante de infertilidade – que leva à escravização das mulheres férteis, que são colocadas “a serviço” dos casais da elite e estupradas ritualmente até engravidarem. Os filhos, evidentemente, “pertencem” ao casal e não à mãe. Tudo feito com bases religiosas rígidas e inquestionáveis. Qualquer “desobediência” resulta em morte.
O que me leva a destacar a figura da autora como uma das mulheres de 2018 é a segunda season de The Handmaid’s Tale, que vai além do livro – e que tem Margaret Atwood na equipe de produção e de roteiro. Na temporada, a gente, cada vez mais, vê o mundo através dos olhos da aia Offred, June, vivida por Elisabeth Moss, que a gente já tinha aprendido a admirar em Mad Men. A gente aprende a entender as fases de medo, de esperança, de desistência e de resistência. Suas carências. A gente também aprende a enxergar as nuances no comportamento da “vilã” Serena Joy, uma mulher que aprende, a muito custo, que mesmo tendo sido uma das arquitetas do novo regime… ela sempre será inferior, por ser mulher.
Em 2018, foi fácil perceber, a série parou de ser uma realidade distante. Os pontos de proximidade com o momento atual ficaram cada vez mais evidentes: a polarização, a intolerância, a ingerência da religião no Estado, o “revide” às conquistas sociais da mulher e da comunidade LGBT+. A série, por vários motivos, deixa de lado a questão racial. Escolhas.
Tanto nos Estados Unidos quanto aqui, assistir a The Handmaid’s Tale é muito desconfortável. Porque não dá para ver sem pensar “isso é tão absurdo… mas seria tão fácil de acontecer!” Os próprios personagens vitimados por Gilead só perceberam o tamanho do perigo… quando já era muito tarde.
Atwood é meu destaque de 2018, portanto, por sua visão, segundo ela mesma não totalmente planejada, de que existem forças que precisam ser mantidas distantes umas das outras. Não se chegou ao conceito do Estado laico por acaso, não é? E que não podemos simplesmente achar que conquistas são permanentes. Mesmo que a vida esteja confortável para você, não dá para relaxar.
Dica extra dupla:
– Margaret Atwood tem outro livro transformado em série. Alias Grace (Vulgo Grace) é um original Netflix. Fica de sugestão para o final de semana.
Claudia Bia – jornalista resistente