Monitora de escola de Brusque alega ter sofrido perseguição por colegas de trabalho; ouça áudios
Defesa da funcionária afirma que objetivo era forçar a demissão dela
Defesa da funcionária afirma que objetivo era forçar a demissão dela
Uma monitora de uma escola pública municipal de Brusque alega ter sofrido perseguição por colegas de trabalho da instituição. Após ter acesso a áudios de conversas entre alguns membros da coordenação da escola, a defesa da servidora diz ter como prova que ela foi alvo de perseguição para receber advertências forçadas e, posteriormente, ser demitida ou transferida.
Tudo teria começado quando a monitora, que é negra, registrou um boletim de ocorrência na delegacia, após, segundo ela, sofrer injúria racial por uma colega de trabalho. O boletim foi registrado no dia 12 de março de 2021.
A defesa solicitou para a Prefeitura de Brusque que a monitora da escola, que tinha registro como ACT (Admissão em Caráter Temporário), fosse transferida para outra unidade para evitar represálias. A mudança ocorreu no dia 20 de agosto deste ano e, agora, ela atua na mesma função em outra escola do município.
A reportagem de O Município teve acesso aos áudios em que a defesa da servidora alega que ela passou a sofrer perseguição. A diretora da escola e colegas de trabalho que falam nos áudios não são identificadas, bem como a monitora. Nomes fora do contexto da reportagem foram ocultados.
A defesa da monitora diz, ainda, que ela estava de atestado entre os dias 5 e 19 de agosto, após fazer consulta médica e ser afastada por problemas de saúde, e que não queria retornar ao trabalho justamente por medo de sofrer represálias. Ainda segundo a defesa da servidora, ela passou a ter crises de pânico e a tomar remédios para conseguir dormir.
No boletim de ocorrência registrado por crime de injúria racial, a monitora relatou que estava passeando com uma das turmas da escola quando ouviu um comentário de uma colega de trabalho, a qual não conseguiu identificar quem era: “o que uma negra, monitora, faz na sala de coordenação se achando”.
Após o horário de almoço, ela foi até a sala de coordenação para relatar o que teria escutado. Depois disso, a coordenação da escola fez uma reunião com monitores e professores. A monitora, no entanto, disse que não reconheceu a pessoa que teria cometido injúria racial por trabalhar há pouco tempo na escola.
A defesa da monitora diz que, após ela registrar a denúncia de injúria racial, a diretora da escola e outras colegas de trabalho “passaram a perseguir a servidora ao invés de tratar devidamente a suspeita do crime”. No entanto, não há provas da relação direta entre a denúncia de injúria racial e a acusação de perseguição. Para a defesa da servidora, os áudios demonstram que tudo se trata de “racismo estrutural”.
Em alguns dos áudios em que a reportagem teve acesso, no qual, teriam sido enviados por meados de maio, a diretora da escola e outras colegas de trabalho comentam sobre advertências que a monitora teria que receber para ser demitida ou transferida de escola.
As falas foram transcritas da mesma forma que foram ditas nos áudios. Abaixo de cada fala ou diálogo é possível escutar os trechos da conversa.
Colega de trabalho 1 (função não especificada): “Motivos pra (nome da monitora) levar advertência: vender produtos pessoais dentro da escola. Aquilo que ela falou, para todo mundo, falou… diz que o RH demitiu ela, que a gente demitiu ela, isso é um motivo grave, porque ela tá usando o nome da escola, nosso e da Secretaria de Educação, né, espalhando por aí”.
Colega de trabalho 1: “Sair pela escola dizendo que ela possui um cargo que ela não possui, tem que… ela tem que levar uma advertência. Uma [advertência] que ela leva, eu acho que ela já dá uma acalmada e, se não acalmar, continua dando advertência. O (nome ocultado 1), como que a gente conseguiu tirar o (nome ocultado 1)? Não foi dando advertência? Olha, que benção, se livramos. Ela, para se livrar, é mais fácil ainda, é ACT, manda para outra escola. Ela não quer mudar de escola? Então…”
Diretora da escola: “Não, com três advertências ela é demitida, me disseram. Com três advertências é demitida. Mas é verdade, tem isso ali, sim, a gente… eu vou escrever isso ali, sim”.
Colega de trabalho 2 (função não especificada): “Dá uma advertência (nome da diretora) (risos)”.
De acordo com as alegações da defesa da monitora, as falas das colegas de trabalho são uma combinação de motivos para que fosse forçada uma demissão por justa causa. Inclusive, é mencionado pela colega de trabalho 1 que, no passado, um servidor da mesma instituição já havia sido demitido da escola após receber advertências.
Ainda nas gravações, a diretora da escola comenta com as demais colegas de trabalho sobre a proibição da venda de produtos dentro da escola. De acordo com a defesa da monitora, ela teria levado, a pedido, uma revista de uma marca de cosméticos para vender para uma colega, no intervalo do almoço.
A diretora da escola reforçou no áudio que é proibida a venda de produtos dentro da escola. No entanto, ela cita que “fecha os olhos” para alguns casos, citando, inclusive, ocasiões que já teriam acontecido, como venda de livros e roupas íntimas.
Porém, quando se trata da monitora, a diretora afirma que ela seria proibida de vender os produtos. Além disso, no áudio a diretora se refere à monitora como “bruaca”.
“Não, não pode vender nada. A gente ainda esconde, assim, né, eu ‘fecho os olhos’. A (nome ocultado 2) leva os livros, né, da Natura, isso… aquilo… a gente… não podia também, mas a gente compra, a gente disfarça. A (nome ocultado 3) vende calcinha e sutiã ali na hora do almoço, né, mas a bruaca lá, não, vai ser proibida”, disse a diretora.
Em outra conversa, elas comentam sobre mudar o local de trabalho da monitora, e citam a possibilidade de colocá-la na sala de outra professora, com alunos que precisariam de atenção especial a todo momento.
Diretora da escola: “Olha, se fosse outra pessoa, eu até conversaria para fazer um horário diferente… tal e tal. Mas com ela (monitora), eu vou proibir. Tu me lembra segunda-feira, tá, de eu anotar lá para o dia 26 ela voltar… proibir, tá”.
Colega de trabalho 1: “Aqueles alunos que a gente sabe que vai precisar de monitora, a gente deixa ela com essas crianças. Não sei se vão começar essa semana ou semana que vem, mas aí ela fica com essas crianças, vai precisar de uma na sala da (nome ocultado 4), porque essa criança que vai entrar na sala da (nome ocultado 4), a criança acabou de aprender a sentar. A criança não engatinhava, precisava de alguém 100% ali com ela, aí a (nome da monitora) fica”.
Em seguida, a colega de trabalho 1 comenta, ainda, em tom irônico, que seria “um pecado” deixar a monitora na sala com as duas professoras, e diz para que procurem outra função para a servidora na instituição.
Colega de trabalho 1: “Se bem que é um pecado, né? Deixar a (nome da monitora) com a (nome ocultado 4) e com a (nome ocultado 5). Acho que a (nome ocultado 5) não vai gostar também (risos). Tá, vamos achar um outro lugar, pera aí (risos)”.
A defesa da monitora encaminhou, no dia 13 de agosto de 2021, um e-mail para a Prefeitura de Brusque solicitando que a servidora fosse transferida de local de trabalho. Na mensagem, a defesa da monitora alegou que ela era alvo de perseguição contínua por parte da administração da escola.
Consta na solicitação, ainda, que a monitora sofria de depressão em estágio avançado e crises de pânico durante horário de trabalho, com ocorrências de taquicardia. A monitora estava de atestado médico entre os dias 5 e 19 de agosto justamente por apresentar problemas de saúde.
Em resposta, a Prefeitura de Brusque, por meio da Diretoria de Recursos Humanos, escreveu que “os acontecimentos ainda suscitam dúvidas e contradições que comprometem sua autenticidade”. No entanto, a prefeitura acatou o pedido da defesa por haver vaga em outra instituição. O e-mail foi respondido no dia 17 de agosto. A transferência para outra instituição ocorreu antes mesmo da servidora retornar ao trabalho na antiga escola.
A reportagem de O Município entrou em contato com a Secretaria de Educação da Prefeitura de Brusque. Segundo a secretária Eliani Buemo, a pasta teve conhecimento da denúncia de injúria racial por parte da própria unidade escolar na data em que o boletim foi registrado.
“Orientamos a gestão da escola a reunir todos e a procurar identificar o que havia acontecido. Depois, a Secretaria de Educação se fez presente na unidade, reunida com a monitora e com a equipe gestora”, afirma.
Eliani reforçou, ainda, que a monitora disse não ter conseguido identificar quem teria proferido as palavras descritas no boletim de ocorrência. “A nossa orientação para a escola foi que reunisse todos os profissionais novamente, que abordassem o fato e tudo aquilo que já vínhamos falando há bastante tempo, sobre respeito a toda e qualquer pessoa e o tema da adversidade”, conta.
A secretária afirma que os encontros, realizados como medidas tomadas pela Secretaria de Educação para tratar a denúncia de injúria racial, estão registrados por ata. Ela comentou, também, que após isso não houve mais notícias sobre este caso e que teria relembrado o assunto, há pouco tempo, com um coordenador pedagógico da instituição, que informou que a monitora ainda estava trabalhando no local.
Em agosto, após pedido feito pela monitora, ela foi transferida de unidade escolar, conforme reforçado pela secretária na manifestação da Secretaria de Educação. Por fim, Eliani diz que a pasta não teve acesso aos áudios em que a monitora alega sofrer perseguição e afirma que a pasta repudia todo e qualquer ato desta natureza.
“Quanto aos áudios, a Secretaria de Educação não tem conhecimento. Não sei de onde vêm. Mas acredito que, com um boletim de ocorrência, se abra um inquérito que se possa apurar e, se for o caso, chegar em quem tenha proferido as palavras”, afirma.
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