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Morador do Águas Claras auxilia a comunidade em sepultamentos há mais de 20 anos

Seu Tito fecha sua mercearia em horário comercial sempre que é chamado para ajudar no ritual

Antes mesmo de o sol raiar, Seu Tito já começa a se preparar para a maratona que virá ao longo do dia. Acostumado a acordar cedo, ele nem precisa da ajuda do despertador para sair da cama. Geralmente, levanta às 5h30 e, após tomar o café da manhã, sai de casa rumo à mercearia que administra há 15 anos no bairro Águas Claras.

Seu Tito precisa estar posicionado atrás do balcão por volta das 6h30. O motivo é a clientela, formada sobretudo pelos alunos da Escola de Educação Básica Ivo Silveira – localizada próxima ao estabelecimento. Como o sinal do colégio toca às 7h30, o proprietário aproveita a hora anterior à chamada para vender balas, chicletes, pirulitos e outras guloseimas aos estudantes.

Embora o atendimento prestado ao público infantil garanta recursos a mais no fim do mês, Seu Tito não pensa duas vezes antes de fechar o estabelecimento no meio do expediente para atender um público totalmente diferente. Quando chaveia a porta do bar, ele está ciente de que a postura das pessoas que terá contato nas horas seguintes é totalmente o oposto da alegria habitual das crianças.

Além de proprietário do barzinho, José Bodenmuller, de 73 anos, o Seu Tito, também é voluntário da Pastoral da Esperança na Igreja São Judas Tadeu, e tem como uma de suas funções principais fazer o ritual de encomendação do corpo durante os enterros realizados no cemitério católico da paróquia.

Ele desempenha a ação há quase uma década. São oito anos dedicados a confortar os familiares dos mortos enterrados no local. O ritual de encomendação, realizado apenas por Seu Tito no cemitério, consiste na leitura de trechos de um livro bíblico, no canto de algumas músicas e na bênção final.

Antes do ritual, ele também auxilia o padre nas cerimônias realizadas na Capela Mortuária ou na Igreja Matriz. As cerimônias antecedem o sepultamento do corpo. Para esses momentos, outras duas voluntárias da Pastoral da Esperança – Valeria Mafra e Marlene Piazza – também ajudam Seu Tito e o padre.

Desconhecidos, conhecidos, amigos e até familiares já passaram pelos rituais de sepultamento de Seu Tito. Embora já esteja acostumado com o último adeus, ele não deixa de se sensibilizar com a perda.

“Na hora do sepultamento do corpo, eu ministro sozinho as rezas. Nesse momento, eu tento passar força para a família. Apesar de ser um momento triste, eu me sinto bem de poder ajudar”, conta Seu Tito.

Para contabilizar a ação voluntária, ele costuma anotar em um caderno a quantidade de sepultamentos realizados na semana. Existem dias em que Seu Tito não precisa fechar o bar. As mortes cessam e a paz reina no bairro Águas Claras. Em outros dias, porém, os enterros ocorrem de manhã e à tarde. O voluntário já chegou a catalogar três dias seguidos com sepultamentos nos dois períodos.

O ritual

Seu Tito se prepara para o ritual de encomendação do corpo a partir do momento em que recebe, no próprio bar, a ficha do morto. De posse do documento, ele calcula o tempo que precisará para desempenhar a função.

Quando o corpo passa por uma cerimônia na Igreja Matriz, Seu Tito, que é quem também guarda as chaves do templo, abre o local uma hora antes. Lá, ele prepara o púlpito do padre e o espaço do caixão, além de vestir-se com o jaleco branco da igreja.

Após a cerimônia na igreja, o caixão é levado em caminhada até o cemitério. Seu Tito acompanha o percurso posicionado atrás dos familiares do morto. No cemitério, ele realiza o ritual e finaliza o sepultamento.

“É algo que eu gosto de fazer. E nunca tem horário específico. Há vezes que eu tenho que fazer os rituais até mesmo no domingo”, diz. “É muito bom fazer esse trabalho voluntário. E a igreja está sempre precisando de mais gente”, completa.

Antes de realizar o ritual de encomendação do corpo, Seu Tito já trabalhava na igreja. São 22 anos dedicados ao trabalho voluntário. Ao longo dos 73 anos de vida, Seu Tito também trabalhou durante quase três décadas na indústria de tecidos Schlösser. Depois da aposentadoria e antes de abrir a mercearia, ele também tocou uma loja de roupas no Águas Claras.

“Eu não consigo ficar parado. Sempre tenho que estar fazendo alguma coisa. Ficar só em casa não dá. Então continuo com na minha venda e também ajudando na igreja. São duas coisas que eu gosto bastante de fazer”, diz.