Moradores de rua mudam de vida com oportunidades de emprego em Brusque
Com renda mensal, usuários do albergue municipal conseguem alugar casas para viverem
Desde os 8 anos de idade, a vida de Assis da Costa Alvares, natural do Rio Grande do Sul, foi viver de albergue em albergue. A situação em casa, com a família, o obrigou a viver dessa maneira. Mas, atualmente, aos 45 anos, foi em Brusque que ele conseguiu vencer a situação de rua, passar no processo seletivo da prefeitura para a função de vigia no terminal urbano, alugar um quarto no bairro Steffen e ajudar os companheiros.
Há 14 anos morando no município, na maioria das vezes na rua, Alvares foi um dos primeiros a frequentar o albergue da Arena Brusque. “Para mim e para a maioria dos colegas que ficam lá, a opinião é a mesma: o albergue de Brusque é o melhor do Brasil. Eles [funcionários] são muito humanos e tratam todos de igual para igual”, avalia.
Em Brusque, Alvares conheceu uma mulher a qual morou junto por algum tempo. Porém, a relação teve fim e, sem emprego também, precisou voltar para as ruas. Foram novos sete meses procurando marquises para passar os dias, além do albergue.
“Antes de voltar para a rua eu trabalhava na Secretaria de Obras, mas passou o prazo do processo seletivo e fiquei sem o emprego. Então não tinha como pagar aluguel e precisei me submeter à situação de rua novamente”, conta.
Com uma vida renovada, Alvares ainda frequenta o albergue, mas agora de uma forma diferente: exercendo um papel social. “Sempre que posso vou lá para conversar com eles, pois fiz muitas amizades e dou muitos conselhos. Eles confiam, porque passei pela mesma situação. Eu já ajudei alguns a saírem da situação de rua também pelo meu depoimento”.
Morar na rua é um grande desafio, segundo Alvares. Diversas dificuldades aparecem dia após dia e diversas são as tentações. “Com 18 anos eu pensei e tentei o suicídio. Até hoje tenho sequelas disso. As pessoas têm muito preconceito com quem mora na rua e não dão oportunidade para ajudar a sair. Têm muitas pessoas que eu conheço que querem sair, mas não têm chances”.
Mesmo tendo diversas portas fechadas por ser um morador de rua, Alvares não desistiu e lutou para atingir seu objetivo. “Eu sinto orgulho de mim por ter conseguido. Às vezes ainda paro, penso e choro por tudo que vivi. Mas tento não cair, porque a gente vive sempre numa corda bamba”.
Uma segunda chance
Há três meses Everton Firmino Carlos, 25, decidiu sair de casa após uma briga com a família. Junto do amigo, que o considera como irmão, Lucas Mizael Ramos Havensthen, 18, foi morar em uma casa abandonada.
Após um tempo, soube do albergue na Arena e ambos foram para lá. “Fomos muito bem recebidos. Tivemos alimentação na hora correta, banho, cama. E o Joabi [coordenador do albergue] sempre me deu conselhos para melhorar a vida”, conta Carlos.
Determinado, ele voltou ao seu antigo local de trabalho, na pizzaria A Italianinha, e pediu uma segunda chance. “Graças a Deus eles me deram e faz 20 dias que eu e meu irmão [Havensthen] alugamos uma quitinete, no bairro Primeiro de Maio, e saímos dessa situação de rua”, conta.
Hoje, Carlos se considera uma pessoa transformada e tem grandes planos para o futuro, como o de adquirir uma casa melhor, poder cuidar mais da saúde e ter uma vida confortável.
Porém, ele afirma que sofreu muito preconceito durante o período que foi morador de rua. “O olhar das pessoas já te condena. Às vezes ia pedir dinheiro para comer e chamavam de tudo, diziam que era para comprar droga”, lembra.
Para ele, a única maneira de diminuir a quantidade de pessoas em situação de rua no município, é as empresas oferecerem oportunidades de emprego. “Têm empresários, não todos, que têm preconceito. E sem uma oportunidade não tem como sair dessa situação”, diz.
Carlos acrescenta que o albergue de Brusque também foi um grande incentivador para que conseguisse mudar de vida. “Só tenho a agradecer ao pessoal que trabalha lá e ao Assis, que sempre me deu muito conselho também para sair daquela situação”, diz.
Respeito e incentivo ao trabalho
Além de Alvares e Carlos, em Brusque, desde junho, quatro pessoas já saíram da situação de rua e outros três estão prestes a sair, pois já conseguiram um emprego. Na semana passada, três albergados foram contratados por uma empresa de Ituporanga para trabalharem na safra da cebola. Lá, além do salário, receberão alojamento e alimentação.
O coordenador do Albergue, Joabi Lino Soares, conta que o regulamento fala que a pessoa tem direito a ficar 20 dias no albergue. Depois desse período, se não conseguir emprego ou uma casa para morar, deve ficar seis meses sem voltar para o albergue.
Porém, como forma de ajudar os albergados, Soares conta que, se a pessoa conseguir emprego, o prazo para permanecer no albergue prorroga até receber o primeiro salário para conseguir alugar um local para ficar. “Se a gente não fizer isso, não estender essa mão, eles nunca terão uma oportunidade”.
Segundo o coordenador, mais de 50% dos albergados estão na situação de rua motivados pelas drogas psicoativas. Os outros são por conta de separações conjugais, brigas e conflitos na família. “Têm muitos aqui em Brusque que querem sair dessa situação, outros não querem porque já têm seus empregos como artesões e viver na rua é mais fácil por não ter uma responsabilidade em pagar contas, como aluguel”, comenta Soares.
O albergue em Brusque tem capacidade para 20 homens e 5 mulheres. Ele abre às 19h e vai até as 7h do dia seguinte. No local é oferecido janta, cama e higiene pessoal. “Felizmente têm muitas pessoas que nos ajudam com doações e tudo é muito bem-vindo”.
O coordenador ressalta que todos são tratados igualmente, para que se sintam bem e para que a falta do carinho e afeto que não tiveram em casa, recebam ali. “Isso também é uma forma de ajudá-los a mudar de vida. Isso os incentiva”.
No inverno, Soares conta que não tem limites de vagas e, portanto, todos que chegam no local são abrigados. “Neste ano chegamos a ter 38 albergados”, lembra. Ele ressalta que os frequentadores são muito unidos e, por isso, sempre se ajudam e uma vez por semana se unem para limparem o local. “Tem muito esse lado humanitário. Damos liberdade para cativá-los”.
Para o próximo ano, a prefeitura pretende levar o albergue para um local mais apropriado, porém, ainda não há um endereço definido.