Ministério Público denuncia sócios da Múltiplos por falsidade ideológica
Everson Clemente e Jackson Santana são acusados de burlar decisão judicial; Vara Criminal aceitou denúncia
O promotor Daniel Westphal Taylor, titular da 3ª Promotoria de Justiça da Comarca de Brusque, ofereceu denúncia contra Everson Clemente e Jackson Santana, sócios da Múltiplos Serviços e Obras. Eles são acusados pelo Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) de terem forjado alteração contratual para burlar uma decisão judicial, por isso foram denunciados pelo crime de falsidade ideológica.
Essa denúncia, que foi oferecida no dia 16 deste mês, é um desdobramento do processo penal que já corre contra Clemente, no qual ele é acusado de ter praticado uma série de fraudes em obras da Múltiplos.
O Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) investigou Clemente e Santana e colheu provas que resultaram na denúncia. A investigação envolveu até mesmo a apreensão de documentos e celulares. Os dois acusados também foram seguidos por agentes durante o transcurso da apuração.
Mudança de “fachada”
Para entender o caso de agora é preciso saber que a Múltiplos já responde a processos na Justiça por supostas fraudes. Num deles, o Judiciário deu decisão no sentido de que Clemente, ou empresas por ele administradas, não pode assinar contratos com o poder público.
A Múltiplos recorreu e não conseguiu derrubar essa decisão, e também foi proibida de assinar com o poder público. Após a proibição a Clemente, segundo Ministério Público, ele chamou o funcionário Jackson Santana e o colocou como sócio minoritário da empresa e representante legal.
No entendimento do MP-SC, Clemente pôs Santana como administrador apenas de “fachada”, no papel, para driblar a proibição e poder continuar a participar de licitações.
Após a mudança no contrato social da Múltiplos, o Gaeco passou a investigar para ver se, de fato, Clemente havia se afastado do comando. As provas colhidas demonstraram, no entendimento do Ministério Público, que Clemente continuou a administrar a empresa.
Com base na investigação, a Promotoria solicitou ao juízo da Vara Criminal que os dois sejam condenados por falsidade ideológica, pois inseriram informações inverídicas no contrato social. O MP-SC entende que ambos sabiam que tudo era de “fachada”, portanto, incorreram no crime.
A Promotoria peticionou por uma decisão condenatória contra Everson Clemente e Jackson Santana. No caso do último, o promotor pede, também, uma audiência para oferecer-lhe uma pena alternativa, com o pagamento de multa de cinco salários-mínimos e prestação de serviços comunitários por 3 meses, 7 horas semanais. Ele também, por exemplo, não poderá deixar a comarca por mais de oito dias.
A ação foi aceita e está pronta para ser julgada. Não existe data ou prazo para que isso ocorra.
Investigação envolveu interceptações e campanas
O primeiro indício encontrado pelo órgão de que poderia haver burla à decisão judicial é que, na alteração do contrato, os poderes de Santana são bastante restritos.
Enquanto isso, Clemente continuava com poder até mesmo para destituir o administrador (Santana) quando bem entendesse. “Assim, o controle da empresa continuava nas mãos de Everson Clemente, já que possuía autonomia para, a qualquer tempo e sem motivo determinado, excluir Jackson Santana da sociedade”, escreveu na denúncia o promotor.
Para o Ministério Público, Clemente continuou a mandar por meio de Santana, que cuidava mais da parte logística da empresa. O promotor escreveu que Clemente seguiu “realizando atos de gestão e, sobretudo, participando ativamente das decisões voltadas à área de obras públicas (licitações) executadas pela empresa, ou seja, Everson Clemente era – e continua sendo – o real administrador da Empresa Múltiplos Serviços e Obras”.
Campanas
O Gaeco, formado por vários órgãos de segurança pública, passou a monitorar de perto Clemente e Santana. Agentes acompanharam a movimentação dos dois, para ver se era mesmo Santana quem administrava.
De acordo com a denúncia, o Gaeco verificou que Santana estava nos canteiros de obras, tarefa mais compatível com a logística do que com a parte administrativa. “Enquanto isso, Everson Clemente, que deveria estar realizando apenas atividades de suporte logístico, chegou a fazer visitas a órgãos públicos, como foi o caso da Secretaria de Obras de Itajaí, na data de 19/07/2017”, disse o promotor na peça acusatória.
A investigação também apurou que Clemente assinou atos administrativos em nome da Múltiplos, mesmo depois da mudança na sociedade, para que Santana fosse o representante legal. A decisão judicial veda que ele se apresente em nome da empresa perante o poder público.
Ainda conforme a denúncia, foram encontrados documentos nas prefeituras de Rio do Sul, São João Batista, Brusque, Balneário Piçarras e Porto Belo nos quais haveria a possibilidade de que Clemente os tivesse assinado. Esses indícios levaram a Promotoria a pedir mandados de busca e apreensão na sede da construtora e das prefeituras com as quais ela mantinha contrato.
Gaeco apreendeu celulares e documentos
Em buscas nas prefeituras e na Múltiplos, o Gaeco apreendeu celulares, pen drives, notebooks e documentos físicos. A análise desse material – inclusive conversas no aplicativo WhatsApp – demonstraram que Clemente estava no comando, conforme o MP-SC.
Segundo a Promotoria, ficou claro que Clemente era o real administrador e que, mesmo após ser impedido legalmente, continuava a assinar documentos em nome da construtora.
Outra constatação feita pelo promotor é que Santana passou a ocupar o posto de gerente operacional, ou seja, cuidava dos canteiros de obras, não da administração.
Uma terceira conclusão, listada pelo promotor, é que quem representava a Múltiplos em licitações era uma terceira pessoa (funcionário). Esse empregado já fazia essa representação antes de todo o processo.
A Promotoria elenca, na denúncia, uma série de conversas de grupos do WhatsApp onde considera haver provas de que Clemente estava na administração. Também foi apresentado um e-mail, no qual ele responde uma solicitação de orçamento.
Confira algumas conversas interceptadas pelo Gaeco
Trechos e comentários do promotor sobre as conversas conversas retirados do processo. O Município retirou os nomes de pessoas e empresas citadas nas mensagens que não são investigadas:
Em áudio de 10/07/2017, às 18:26:39, Everson diz que esteve na obra com Jackson e alertou que iria faltar tubo. Em seguida, Jackson Santana tenta justificar o ocorrido, dizendo que uma peça quebrou e a empresa não conseguiu entregar o material. Na sequência, Everson escreve “pega do jimmy tb”;
Depois do envio de algumas fotos da obra, em áudio do dia 18/07/2017, às 16:26:08, Everson dá ordem para que “uma pessoa aterre em volta das caixas, bata com a plaquinha, e bote a tampa em cima, porque a fiscalização vai passar na obra no dia seguinte e o rachão está parecendo um barro graduado”
Conversa com funcionário da Múltiplos – em áudio do dia 17/07/2017, Jackson mostra certa preocupação com a passagem de Everson na obra de Porto Belo e pede para “o funcionário” cuidar com os materiais que estão sendo colocados na pista, porque está muito contaminado, sujo de barro, que não é pra colocar este, mas o material melhor. Diz ainda para orientar o pessoal que está indo carregar a não pegar o material sujo, mas de bica limpa. O funcionário responde e, em seguida, Jackson pergunta se “Everson está atucanando muito eles”. O funcionários diz que Everson chegou cedo e ficou bravo, porque “estava tudo virado numa bagunça e que tinha bastante material empilhado na pista, que era para o “funcionário’ espalhar já na sexta-feira”. Explicou que Everson já tinha ido embora e que este havia pedido para ele e “outro funcionário” cuidar para não quebrar os
chaminés dos pv’s”;
Conversa grupo “Obras Múltiplos” – neste grupo, composto por funcionários da empresa e reservado ao debate sobre as obras executadas, no dia 18/07/2017, às 11:09:21, “Lúcio Laborator” encaminha uma foto com a legenda “Usinando para AMP”. Everson, então, comenta: “falta qto ton pra acabar essa m…”. Depois, às 11:14:36, Everson diz: “vê depois a quantidade de tonelada toda que foi rodada para essa obra aí e o consumo de cap que foi usado, tá!?”.
Defesa nega irregularidades
Em nota, a defesa nega irregularidades e informa que não foi notificada sobre início de ação penal contra os dois citados.
“No entanto, em ação penal em trâmite, há alegação de que teria ocorrido um suposto descumprimento de ordem judicial, com eventuais atos de administração praticados por Everson quando a administração da empresa Múltiplos estava a cargo de Jackson.
Esclarecemos, ainda, que em momento algum Everson praticou atos de administração, após a ordem judicial.
Ficou evidenciado que os atos de Everson seriam limitados aos procedimentos de logística da empresa, atos eminentemente operacionais.
Cabendo à Jackson, conforme informado anteriormente ao juízo e com concordância do Ministério Público, a prática dos atos de administração e representação da empresa Múltiplos.
A eventual acusação de suposto descumprimento de ordem judicial, somente pode ser atribuída à confusão, ou falta de conhecimento do que são atos de administração/gestão e atos operacionais, conforme detalhado em petição apresentada em juízo”.