Mulheres de verdade
Calendários de borracharia e seus peitos e bundas meio à mostra, em poses nada sutis. Apelo sexual muito além (ou aquém) da sedução. Ok, você já conseguiu completar mentalmente a imagem. Provavelmente todo mundo tem alguma referência desse tipo de folhinha – que é uma herdeira mais brutal do universo das pin-ups.
E é aí que se encaixa – ou não – o calendário Pirelli. Com mais de 50 anos, a marca de pneus gourmetizou o calendário de borracharia ao arregimentar fotógrafos conceituados e modelos conhecidas para montar suas folhinhas fashion. Desde os anos 60, o calendário vem contando a evolução desse universo específico, que passa longe das oficinas. O símbolo continuava sendo o mesmo. Mulheres “perfeitas” captadas em momentos de sedução. Sai a “gostosa”, entra a “bela”. Tudo dentro dos conformes dos padrões de beleza de cada década.
Mas nada é tão imutável que não acabe se transformando. Desde o ano passado, o Calendário Pirelli traiu de vez o “espírito da borracharia” e abri o leque para belezas menos óbvias. The Cal 2016 teve Patti Smith (com 68 anos), Yoko Ono (com 82 anos). A tenista Serena Williams e a comediante Amy Schumer, com seus corpos “off runway”, também estavam entre as 13 “garotas do calendário” do calendário lançado no final do ano passado.
Agora, para 2017, a Pirelli continuou na mesma direção libertadora. Deu até um passinho à frente. Nessa edição, o foco está nas atrizes. Entre elas, Helen Mirren, Nicole Kidman, Charlotte Rampling, Lupita Nyong’o, Robin Whight, Jessica Chastain, Uma Thurman, Juliane Moore. Representantes de diferentes idades e etnias, mas com uma coisa em comum: todas aceitaram que suas fotos, feitas por Peter Lindbergh, fossem publicadas sem retoque. A nudez da escassez de roupas foi substituída pela nudez de Photoshop. Uma celebração da beleza real, variada e imperfeita. Um espelho que não vai ferir meninas e mulheres que viram vítimas dos padrões estéticos, desenvolvendo distúrbios alimentares e de autoimagem.
É uma ação na direção certa. Quando mais festejarmos a diversidade e nossos “defeitos” estéticos, mais confortáveis vamos viver dentro das nossas peles. Pena que, sofisticado e agora mais alinhado às lutas femininas, o calendário mais famoso do mundo tenha virado objeto de luxo (que não é sequer vendido, mas distribuído para “poucos e bons”) e não seja mais pendurado nas paredes das borracharias, onde um pouco dessa discussão seria muito bem-vinda.
Claudia Bia – jornalista
Fotos: Peter Lindbergh / Pirelli