Nacionalização: descendentes de alemães são perseguidos em Brusque nos anos 40
Mais uma vez, proibição do idioma alterou a rotina e instalou o medo na população
O período de nacionalização durante a Primeira Guerra Mundial não foi suficiente para apagar os vestígios do país germânico na cidade. Após o fim da guerra, a cultura alemã retorna com ainda mais vigor.
Brusque se torna rota das cidades do Vale e passa a receber comitivas de oficiais alemães. Em 1934, a cidade recebe a visita dos marinheiros do Cruzador alemão ‘Karlsruhe’, e acolhe a tripulação com jantar, desfile e visitas às instalações da prefeitura.
Também são realizados jogos na ‘Sociedade Ginástica’, atual Sociedade Esportiva Bandeirante, entre os alemães de origem e os alemães de Brusque. Essa integração da identidade cultural faz ressurgir a preocupação no governo brasileiro.
Nesse período, a população de Brusque acompanha de perto o avanço do “National Sozialistische”, nos discursos proferidos por Adolf Hitler, de 1932 a 1935.
“O líder deseja, de fato, um pedaço do Sul do Brasil para estender o império alemão. Contudo, nosso pessoal não se manifesta a favor, apenas reconhece e ouve os seus interesses e se perturba socialmente, pois será mais um conflito armado a acontecer em Brusque”, explica Lauth.
A publicação do decreto por Getúlio Vargas iniciou uma nova fase de nacionalização no Brasil. As escolas são obrigadas a adotarem nomes brasileiros; só brasileiros natos podem ocupar cargos de direção; as instituições só podem dar as aulas em português, entre outras regras.
As celebrações nas igrejas também são afetadas, assim como durante a Primeira Guerra. Associações culturais e recreativas são fechadas. Em Brusque, o Caça e Tiro deixa de funcionar de 1942 e 1948. Torna-se rígida a fiscalização das novas regras feita pelos militares do Exército.
A vigilância é bastante forte e quem falava alemão, ou outro idioma, era denunciado e preso. “Ia para a cadeia, os militares o faziam desfilar na rua, algemado, a pé, para servir de exemplo para os outros. Há relatos de que alguns deles eram obrigados a tomar óleo cozido como castigo”.
As denúncias são constantes, principalmente por parte de vizinhos, que informam as famílias que escutavam a ‘Deutsche Welle’ rádio alemã de notícias. “À noite, a polícia saia à caça dessas pessoas e quando encontrava, levava o aparelho de rádio embora, junto com discos e qualquer outra coisa que fizesse referência à cultura alemã”.
À noite, a polícia saia à caça dessas pessoas e quando encontrava, levava o aparelho de rádio embora, junto com discos e qualquer outra coisa que fizesse referência à cultura alemã
De acordo com Lauth, é a partir deste período que o idioma alemão começa a ficar enfraquecido em Brusque. “As famílias deixam de ensinar o alemão para seus filhos, que já são brasileiros. A nacionalização promovida por Nereu Ramos em Santa Catarina faz surgir a vergonha da língua e do folclore alemão. Falar alemão se torna um ato vergonhoso para as famílias de Brusque”.
Nesta fase há também o receio que vai aflorar quando o Brasil entra na guerra, em 1942. O medo das famílias é de que tivessem que ir para a Alemanha lutar contra os próprios alemães, embora não houvesse nenhuma manifestação de apoio aos ideais de construir um novo império alemão no Sul do Brasil.
O exército faz o alistamento obrigatório, principalmente nas zonas de colonização que, na visão do governo, precisavam ser nacionalizadas. “Vários jovens fugiram de Brusque durante este período para não se alistarem. O grande problema é o medo, o receio da guerra e a consequência de um conflito étnico”. De Brusque, partiram para a guerra 47 soldados alistados e uma dezena de soldados aquartelados em Itajaí. Hoje ainda vivem Arnoldo Lana – último pracinha -; e Primo João Gilli, ex-soldado do Exército.
Ao fim da guerra, a cidade tenta voltar às origens étnicas, mas passados quase sete anos do nacionalismo, a sociedade brusquense já não é mais a mesma, rumando por novos caminhos.
“Assim, perdeu-se muita coisa em termos de valores étnicos e culturais. O Caça e Tiro, por exemplo, só reaparece em 1948, perde os sócios, não tem diretoria, não consegue se organizar para a festividade de Rei do Tiro e o baile de Páscoa. Porém, é lembrado por ocasião das primeiras Fenarreco, em 1986. O ‘Bandeirante’ a mesma coisa, praticamente inerte, vai reacender com a preparação dos Jogos Abertos de Santa Catarina, a partir de 1953”.
A sociedade brusquense mudou nas décadas seguintes, mas é possível notar hoje que as raízes nunca foram esquecidas.
Durante a guerra, a indústria têxtil continuou ativa. Apesar de todas as dificuldades, a guerra criou oportunidade do têxtil brasileiro abastecer de tecidos a América Latina, a Europa e a África, graças ao fato de Estados Unidos e Inglaterra, grandes países exportadores têxteis, estarem envolvidos no conflito.
As famílias do alto escalão das fábricas, gerentes e diretores, começam a ter mais dinheiro. Surgem, então, os novos clubes, restaurantes e cafés, destinados à convivência dessas famílias, que têm um poder aquisitivo melhor do que a classe operária. ‘Carlinhos Bar’ e ‘Café Pigalli’ se tornam referência no centro da cidade.
“É um fenômeno social das sociedades industriais. Perde-se o medo que se tinha da guerra, e se ganha um grau de liberdade. As atividades sociais retornam, os clubes voltam a ter bailes, como o ‘Clube 1020’, em Águas Claras. Já no início dos anos 50 surgem as novas lojas, a Casa do Rádio, Lojas Krieger, Hermes Macedo, Pernambucanas e a Loja Renaux”.
Os diários abrem uma página para os destaques da coluna social. Surgem os primeiros carros, as Aero Willys dos empresários, e as férias de verão à beira-mar de Cabeçudas e Balneário Camboriú. A sociedade industrial contempla pessoas de recursos que exigem novos hábitos de vida, tal como a criação de uma rádio, a Rádio Araguaia e o jornal O Município, que ainda hoje fazem história.
Lauth lembra também da contribuição do industrial Guilherme Renaux na fundação da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) , se consolidando como uma grande liderança estadual.
É de Renaux a iniciativa de sediar um núcleo de Aprendizagem Industrial para atender a legislação trabalhista que, em poucos anos, alcança a criação do Lafite, como maior laboratório têxtil brasileiro, já em 1972.
“Esta é uma fase interessante na história da cidade, pois perdemos a língua de origem, mas ganhamos esse grau de liberdade social, que dá conforto e alívio após todo um período de medo. Pela primeira vez, Brusque se torna uma cidade de gente rica”.
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