“Ninguém precisa passar por isso sozinha”: médica fala da relação com pacientes com câncer de mama
Cirurgiã oncológica Fernanda Pina destaca a importância da parceria entre médico e paciente
A relação próxima com os pacientes durante o tratamento contra o câncer foi um dos pontos que fizeram a médica Fernanda Kinceski Pina decidir se especializar em cirurgia oncológica.
“Eu costumo dizer que é um casamento. A partir do primeiro contato com o paciente, acompanhamos por muito tempo. Vejo a evolução tanto da parte médica, de tratamento, quanto das mudanças na vida dessas pessoas. Nem todas as especialidades nos oferecem isso”.
Outro fator determinante para a decisão, segundo ela, foi a evolução na prevenção e cura da doença ao longo dos anos.
“A cada década que passa, conseguimos evoluir um pouco mais. Acho que o câncer não vai acabar na humanidade, ele está presente há muitos e muitos anos, tem até papiros egípcios relatando câncer de mama, está no nosso DNA. Provavelmente, a doença vai nos acompanhar por um bom tempo, mas é uma busca incansável por prevenir. Já evoluímos muito na cura, mas talvez o próximo passo seja evoluir para evitar a doença”.
Em Brusque, a médica atende pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) na Policlínica, e também realiza consultas na Clínica Zênite Saúde. Quando os pacientes chegam para seu atendimento, já receberam o diagnóstico de câncer, e cabe a ela, dar o direcionamento sobre os próximos passos.
“O grau de ansiedade e medo que eles chegam é muito grande. Eu sempre oriento que venham acompanhados de uma pessoa de suporte, que eles possam contar do ponto de vista emocional, porque estão em um momento muito frágil”.
São muitos aspectos que acabamos lidando com a vida das pacientes. Não tem como não se envolver
Fernanda afirma que o primeiro passo na consulta é fazer o acolhimento da paciente e tentar reduzir ao máximo o grau de ansiedade. Ela lembra que o tratamento contra o câncer evoluiu muito e hoje a doença não pode mais ser recebida como uma sentença de morte.
“Graças à ciência, isso mudou muito. Mesmo para aqueles tumores mais avançados, temos uma série de tratamentos para oferecer. A primeira parte é fazer o paciente entender isso, saber que vai ter uma vida pós, que vai ser diferente, mas que é possível viver muito tempo depois”.
Quando atende mulheres diagnosticadas com câncer de mama, a médica observa que além de todas as preocupações relacionadas à gravidade da doença, há ainda o medo sobre a perda da mama, o que gera um impacto emocional muito grande nas pacientes.
“São muitos aspectos que acabamos lidando com a vida das pacientes. Não tem como não se envolver”.
Suporte
Como o tratamento contra a doença é bastante longo, a médica destaca que, muitas vezes, acaba se tornando um ponto de suporte para a paciente, alguém onde ela encontra segurança para desabafar e compartilhar os sentimentos. Fernanda observa que, como médica, é importante entender como é a vida da paciente fora do consultório.
“Aqui no consultório é uma realidade, mas preciso saber se esse positivismo que ela me mostra na consulta, está conseguindo manter em casa. Ela tem uma rede de apoio que consegue fornecer toda essa estrutura psicológica que ela precisa? Essa é uma preocupação grande que tenho porque a parte médica tem remédio, cirurgia, quimioterapia, radioterapia, mas as realidades dentro de casa, do trabalho, é mais difícil de interferir. Ninguém precisa passar por isso sozinha”.
A parte médica tem remédio, cirurgia, quimioterapia, radioterapia, mas as realidades dentro de casa, do trabalho, é mais difícil de interferir. Ninguém precisa passar por isso sozinha
A médica conta que muitas mulheres escondem da família o diagnóstico por medo de se tornarem uma sobrecarga. “Meu papel é orientar, mostrar que é importante que elas tenham esse apoio da família, que um dia a doença será apenas uma lembrança, mas que neste momento, elas precisam de todo o suporte físico e, principalmente, psicológico, para ter forças para lutar”.
História marcante
Fernanda afirma que cada história de paciente é única e marcante. Entretanto, uma que viveu durante sua residência sempre traz recordações. A paciente, uma mulher de 35 anos, descobriu o câncer de mama durante o quarto mês de gestação. O câncer, de acordo com a médica, era bastante agressivo e, por isso, além da cirurgia, era necessário complementar com outros tratamentos. A paciente precisou decidir se manteria a gestação, com diversos riscos para ela e para o bebê, ou se interromperia para dar início ao tratamento.
“Ela optou por segurar o tratamento. Esperou a gestação o máximo que deu. O bebê nasceu prematuro, mas deu tudo certo e após isso começou o tratamento. Felizmente, o tumor não evoluiu tanto a ponto de não ser mais operável. No final da minha residência, encontrei com ela. A criança já tinha dois aninhos e ela agradeceu muito toda a equipe por entender que naquele momento ter o filho era a prioridade. Hoje ela ainda faz o acompanhamento, tem sequelas do tratamento, mas tem a família dela ali. O sonho realizado de ser mãe”.
Antigamente, o número de histórias tristes era muito maior do que as positivas. Mas hoje se inverteu. Temos muito mais casos felizes do que infelizes. Um reflexo de toda a evolução da medicina
Fernanda destaca a importância da parceria entre médico e paciente, sempre com muito diálogo. Ela ressalta que ainda existem muitas histórias tristes, de perda de pacientes, mas hoje, os finais felizes se sobrepõem.
“Antigamente, o número de histórias tristes era muito maior do que as positivas. Mas hoje se inverteu. Temos muito mais casos felizes do que infelizes. Um reflexo de toda a evolução da medicina e sempre faço questão de contar esses desfechos positivos para as pacientes, mostrar que existe a cura. Acho que se tornam inspiração e força para elas superarem o momento difícil”.