Nos anos 80, pior enchente da história de Brusque motivou a construção da avenida Beira Rio
Em 1984, o rio Itajaí-Mirim atingiu a marca de 10,30 metros, deixando inúmeros prejuízos na cidade
As águas passaram formando uma grande correnteza, levando muros, árvores e até casas. O cenário de destruição até hoje não sai da memória daqueles que viveram dias de terror e incerteza. A cidade, durante um longo tempo, ficou irreconhecível. Em nada parecia a Brusque pujante e em pleno desenvolvimento das semanas anteriores à cheia.
Calcula-se que 20 mil pessoas ficaram desabrigadas em Brusque e sentiram de perto a solidariedade de todo o país. O prejuízo econômico também foi gigantesco. Relatório da Secretaria de Indústria e Comércio do Estado publicado na edição de 21 de setembro do jornal O Município, contabilizou 82 empresas atingidas e 77 paralisadas no setor industrial da cidade. Juntas, essas empresas empregavam 3.653 pessoas.
No setor comercial, o relatório apontou que foram atingidos 291 estabelecimentos, e 275 paralisados, representando 1.959 empregos. Ao todo, 5.612 empregados deixaram de produzir em Brusque, representando uma folha de pagamento na ordem de 2,63 bilhões de cruzeiros.
Calcula-se que 20 mil pessoas ficaram desabrigadas em Brusque e sentiram de perto a solidariedade de todo o país
Ainda de acordo com o relatório, no primeiro semestre de 1984, o faturamento dessas empresas foi de quase 70 bilhões de cruzeiros, já os prejuízos totais com a enchente acumularam 10,26 bilhões de cruzeiros.
Além das empresas e inúmeras residências, prédios públicos, como o antigo Fórum, localizado no bairro Jardim Maluche, foi bastante afetado, com prejuízos estimados em 150 milhões de cruzeiros.
A cheia que assolou todo o Vale do Itajaí foi notícia no país, assim como em 1961. Em outubro de 1984, a cidade ainda se recuperava, quando uma comitiva de repórteres de jornais como Zero Hora, O Globo, Folha de S. Paulo e Correio Braziliense estiveram em Brusque para conferir de perto os estragos causados pela chuva.
Na época, a população teve a impressão de que Brusque foi poupada da enchente pela retificação do rio. Mas um ano depois, a história mudou.
A tragédia de 84 fez com que as lideranças buscassem novos projetos para a contenção de cheias na cidade. Após a enchente, o prefeito Celso Bonatelli encomendou um estudo para diagnóstico da bacia do rio Itajaí-Mirim, realizado pela Universidade de Santa Maria (UFSM).
Denominado “Plano Integral de Manejo da Bacia Hidrográfica do Itajaí-Mirim”, o estudo ficou pronto em 1986, e chegou à conclusão que o mau uso do solo é o principal causador das enchentes da bacia do Itajaí-Mirim.
Outro estudo, então, foi encomendado. Desta vez, realizado pelo Centro de Hidráulica e Hidrologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), concluído em fevereiro de 1988, que trouxe algumas opções para resolver o problema na cidade. Entre as soluções apresentadas, estava a dragagem do rio e a “construção de cinco quilômetros de um canal trapezoidal, com as margens revestidas de placas de cimento”.
Em 1988, Ciro Roza foi eleito prefeito de Brusque pela primeira vez e, logo no início de seu mandato, começou o planejamento para a construção da avenida Beira Rio. A obra foi concebida para funcionar como o canal extravasor do município, aproveitando a sugestão do estudo da UFPR e também uma ideia lançada pelo ex-prefeito Cyro Gevaerd, ainda nos anos 1960, para a construção de uma beira rio nas duas margens para desafogar o trânsito da cidade.
Na época em que estava à frente da prefeitura, Gevaerd chegou a iniciar um trecho da Beira Rio, nas imediações da ponte Irineu Bornhausen, no Centro. Depois, os prefeitos que o sucederam deram continuidade ao projeto.
Em sua tese de doutorado, intitulada Regimes de Cidade: Investigações e experiências urbanas no Vale do Itajaí-Mirim, o historiador Álisson Sousa Castro lembra que o trecho entre a ponte Irineu Bornhausen e a rua Paes Leme, no Centro de Brusque, foi finalizado no último ano da gestão do prefeito Alexandre Merico, em 1983.
Quando eu entrei como prefeito, disse que não adianta falar, tem que pôr em prática, ter coragem, e foi isso que eu fiz. Comecei já em janeiro de 1989 a fazer
“Depois de 84, a sociedade brusquense buscou quem entendesse para fazer um projeto para diminuir os efeitos das enchentes. Foi feito o projeto pela Universidade de Santa Maria e de lá se procurou a maior autoridade em hidrografia do mundo, que é o Instituto Hidrográfico do Paraná. Eles fizeram os estudos durante dois anos e trouxeram a necessidade de tirar os obstáculos, assorear o rio e construir o canal”, lembra Ciro Roza.
Quando foi eleito, ele conta que entrou decidido a fazer a obra, que era vista como a nova solução para as cheias da cidade. “Quando eu entrei como prefeito, disse que não adianta falar, tem que pôr em prática, ter coragem, e foi isso que eu fiz. Comecei já em janeiro de 1989 a fazer”, afirma.
No início de março de 1989, O Município noticia que começou a ser construída a avenida Beira Rio margem direita, no trecho entre a ponte Arthur Schlösser e a rua Henrique Rosin.
Em maio de 1989, os vereadores Antônio Maluche Neto e Marcus Antônio da Silva foram até Curitiba para buscar informações com Heinz Fill, responsável pela elaboração do estudo no qual a prefeitura se baseava.
Na época, Fill afirmou aos vereadores que o projeto não obedecia as sugestões apresentadas nos estudos da UFPR. Polêmicas à parte, a obra prosseguiu conforme o desejo do prefeito.
Roza explica que o plano de contenção de cheias realizado em seu governo estava fundamentado na vazão, largura, profundidade e velocidade.
“O estudo da UFPR tinha o desassoreamento do rio e tirar o ponto de estrangulamento. Eu decidi ampliar. Sugeri ampliar o canal e inclusive fazer em ambas as margens o rebaixamento até a cota 15. Quando chega na cota 15, as avenidas passam a ser o rio. Elas foram construídas para isso e também têm um papel importante na mobilidade da nossa cidade”.
Na manhã de 4 de agosto de 1990, no aniversário de 130 anos de Brusque, e seis anos depois da maior tragédia da história da cidade, foi inaugurada com grande festa o primeiro trecho da margem direita da avenida Beira Rio.
As obras, entretanto, continuaram por mais alguns anos, adentrando as gestões de Danilo Moritz e Hylário Zen, até o retorno de Roza à prefeitura, em 2001.
Já no começo de seu segundo mandato, Ciro Roza decidiu iniciar uma nova fase do projeto de contenção de cheias: a construção da nova ponte Irineu Bornhausen.
Mais uma vez, a obra foi muito questionada, pela falta de projetos e também pela origem dos recursos.
“Eu recebi muitas críticas. Desde que dei início à construção da Beira Rio, foram 14 processos. A remoção daquela ponte estava prevista no projeto desde o início. Os pilares da ponte antiga estrangulavam a vazão. Era necessário fazer uma ponte moderna que não segurasse a passagem da água”.
Eu recebi muitas críticas. Desde que dei início à construção da Beira Rio, foram 14 processos
A obra da nova ponte foi parar na Justiça. No dia 6 de março de 2003, entretanto, a prefeitura recebeu uma liminar que anulava o impedimento da obra. No mesmo dia, às 19h30, as máquinas iniciaram a demolição da ponte.
Começa, então, a construção do que hoje é um dos símbolos da cidade: a ponte estaiada. A nova ponte foi a primeira do Brasil a ser edificada em concreto branco e segue um padrão arquitetônico moderno. A estrutura é sustentada por um pilar central, com 36 metros de altura, na margem direita do rio Itajaí-Mirim, com um vão livre de 90,88 metros. Deste pilar central, saem quatro conjuntos de estais, com 512 cabos, que correspondem a 4,6 mil toneladas de força. A ponte foi inaugurada no dia 20 de abril de 2004.
“Durante 12 anos que fiquei na prefeitura, nem um dia fiquei sem trabalhar na Beira Rio, porque esta obra é fundamental. Ao construir o canal extravasor, além de ajudar no problema das enchentes, áreas que não valiam nada, que ninguém tinha coragem de fazer uma casa, se valorizaram. A cidade se desenvolveu ao redor da Beira Rio”, avalia Ciro.
O geólogo Juarês Aumond observa que assim como a retificação, iniciada em 1961, a construção do canal extravasor foi benéfica para o município em relação às cheias que são tão comuns em Brusque.
“Se analisar o todo, nós saímos ganhando. Claro que sempre tem algum efeito que não gostaríamos, como a erosão na margem, uma estiagem que agora é um pouco maior devido à água ir logo para o oceano. Mas as duas (retificação e canal extravasor) tiveram o mesmo efeito. Analisando o custo-benefício para a sociedade como um todo, não tenho dúvida, que o benefício foi maior”.
Atualmente, a gestão do prefeito Jonas Paegle dá continuidade à avenida Beira Rio, na margem esquerda.
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