“Nunca é fácil”: médico fala sobre o desafio de comunicar um diagnóstico de câncer de mama
Mastologista Guilherme Gamba afirma que o relacionamento com suas pacientes vai além da simples troca de informações sobre o tratamento
Receber a notícia do câncer de mama nunca é fácil, assim como dar a informação para a paciente. Médico há 10 anos, o mastologista Guilherme Gamba destaca que quando o assunto é câncer de mama, o diagnóstico precoce é fundamental para aumentar as chances de cura. No entanto, para o médico, comunicar essa notícia nunca se torna mais fácil.
“Muitas pessoas pensam que, com o tempo, o médico se acostuma a dar más notícias. Não é assim. A gente aprende a lidar com a situação de forma mais leve, mas nunca é fácil”. Apesar de ser uma doença grave, com alta taxa de cura se diagnosticada precocemente, o impacto emocional nas pacientes é enorme, principalmente logo após o choque do diagnóstico.
O médico destaca que, além do câncer, há diversos mitos e preconceitos que precisam ser desconstruídos durante o acompanhamento da paciente. “Muitas mulheres chegam com medos trazidos de casa. Ouviram histórias de vizinhas que perderam a mama, que o câncer se espalhou, ou que passaram por quimioterapia e ficaram muito debilitadas. As notícias ruins circulam rápido. Meu trabalho, muitas vezes, é mostrar que o desfecho pode ser diferente, que existe esperança, e que a qualidade de vida pode ser preservada”.
Quando dou um diagnóstico, uma parte de mim passa para a paciente, e uma parte dela passa para mim. É uma troca que levo comigo durante o tratamento
Formado em medicina, Gamba se especializou em ginecologia e obstetrícia, mas foi durante sua residência que a paixão pela mastologia surgiu. “Eu estava fazendo minha formação em Itajaí, e alguns dos chefes que eram mastologistas me inspiraram. Tive contato com cirurgias oncológicas relacionadas à mama e, com o tempo, passei a me interessar cada vez mais pela área”, relembra.
A mastologia, área que inicialmente era gerida por ginecologistas e cirurgiões oncológicos, cresceu de maneira significativa nos últimos anos. “Hoje, a especialidade se dedica a todas as doenças relacionadas à mama, desde questões benignas até o câncer. Atuamos no diagnóstico, tratamento e, muitas vezes, na reconstrução mamária”, explica o médico, que atende na Rede Feminina de Combate ao Câncer de Brusque, na Clínica Zênite Saúde, na Unimed e realiza os procedimentos cirúrgicos no Hospital Azambuja.
O envolvimento no tratamento
Para Gamba, o relacionamento com suas pacientes vai além da simples troca de informações sobre o tratamento. Ele acredita que o papel do médico é apoiar emocionalmente a mulher ao longo de todo o processo. “Sempre brinco que, quando dou um diagnóstico, uma parte de mim passa para a paciente, e uma parte dela passa para mim. É uma troca que levo comigo durante o tratamento”, conta.
Muitas pacientes, segundo ele, compartilham seus medos e angústias durante as consultas. “Elas perguntam como será a vida após o tratamento, como ficará o relacionamento com a família, especialmente quando têm filhos. A questão da imagem corporal também é muito presente. O impacto emocional da perda da mama ou do cabelo durante a quimioterapia é algo que eu, como mastologista, preciso levar em consideração. Tenho que entender o que é importante para cada mulher, para que ela consiga passar por esse processo da melhor forma possível”.
Meu trabalho, muitas vezes, é mostrar que o desfecho pode ser diferente, que existe esperança, e que a qualidade de vida pode ser preservada
O médico ressalta que, normalmente, tratamentos oncológicos duram, em média, um ano, e cada fase ultrapassada, cada vitória, é uma força a mais para a paciente e cabe ao médico fazer com que elas se sintam bem ao longo de todo o processo e acreditem na cura.
“Eu já vi o final feliz várias vezes. Este é o primeiro momento dela com a doença, é tudo muito desconhecido, então cabe a mim trazer essas experiências, casos que deram certo, a experiência de como é o caminho e, a cada vitória delas, me fortalece a continuar fazer o que estou fazendo”.
A força da mulher
Um aspecto que sempre surpreende Guilherme é a força das mulheres. Ele afirma que, em diversas ocasiões, ao dar o diagnóstico na presença do marido, é o homem quem se desestabiliza, enquanto a mulher se mantém firme. “Já vi muitas vezes a mulher consolando o marido na hora do diagnóstico. Isso só reforça a espiritualidade e a energia que muitas delas trazem. O papel do médico é continuar dando suporte para que essa força se mantenha ao longo do tratamento”, diz ele.
No entanto, o mastologista ressalta que, apesar de toda a força, é natural que, em algum momento, a paciente se abale. “Ninguém é de ferro. Nosso papel é estar ao lado delas, dando suporte emocional, principalmente nas fases mais difíceis do tratamento.”
Cada paciente é única, e essas experiências moldam quem eu sou, como médico e como pessoa
Parceria no tratamento
A caminhada do médico ao lado da paciente é longa e complexa. “O mastologista é o profissional que, muitas vezes, tem mais contato com a paciente durante o tratamento”, observa Gamba.
O tratamento do câncer de mama envolve três modalidades principais: oncologia clínica, cirurgia e radioterapia. “A ordem dessas intervenções varia conforme o estágio da doença e é discutida por uma equipe multidisciplinar que inclui oncologistas e radioterapeutas”, explica o mastologista.
O acompanhamento próximo é essencial. Após o tratamento inicial, que costuma durar cerca de um ano, as consultas continuam de seis em seis meses para garantir que a paciente esteja livre da doença. “É uma caminhada lado a lado”, reforça o médico.
Histórias de impacto
Apesar de todo o profissionalismo necessário, o médico compartilha que muitos casos o impactam profundamente, afinal, é impossível não se sentir tocado pelas histórias dessas mulheres, cada uma com sua individualidade e suas lutas pessoais.
Ele recorda de uma paciente jovem, de 35 anos, cujo marido havia falecido em um acidente de trânsito. “Ela descobriu um câncer de mama avançado e estava preocupada com sua filha pequena, pois eram só as duas. O tratamento foi um sucesso, e a lesão desapareceu completamente. Mas, um ano e meio depois, ela voltou muito abatida à consulta, e pensei que a doença havia retornado. Na verdade, sua filha havia falecido de meningite”.
Outro caso marcante foi o de uma paciente de cerca de 40 anos que, após perder o marido por um infarto, enfrentava um câncer agressivo. “Ela estava indo bem, mas teve uma complicação grave que a levou à UTI, o que interrompeu o tratamento. A doença progrediu e, infelizmente, ela faleceu, deixando um filho de 11 anos”.
São histórias como essas, segundo o médico, que o fazem refletir sobre a fragilidade da vida e o papel de quem lida com o câncer. “Cada paciente é única, e essas experiências moldam quem eu sou, como médico e como pessoa”.