Uma diferença essencial entre o ser humano e as bestas selvagens é o fato de que somos animais cheios de símbolos e rituais. Não nos alimentamos apenas pela satisfação natural do apetite e da necessidade, mas criamos padrões, combinamos diferentes alimentos, inventamos os pratos e os talheres, a mesa de jantar e tudo o que isso significa, para muito além da mera necessidade animal de ingerir nutrientes. Não bebemos apenas água e leite – as únicas bebidas necessárias à vida – mas inventamos o vinho, a cerveja, e aprendemos que tais bebidas podem simbolizar nossa alegria. Aprendemos a festejar, e o fazemos como um congraçamento, que só faz sentido porque nossos semelhantes são capazes de participar do mesmo ritual, partilhar dos mesmos propósitos. Não copulamos apenas para aplacar o cio e atender a um chamamento natural. Nossos rituais de acasalamento representam um compromisso de união com outra pessoa, de partilha da intimidade.
Quando o simbolismo e o ritual perdem sua força, mergulhamos no mundo dos animais inferiores. Nesse caso, temos uma grande desvantagem. Para eles, viver animalescamente não é problema, mas a simples manifestação da sua natureza. Quando um humano desce de nível, entregando-se à mera fruição momentânea de prazeres físicos, força sua natureza para baixo, e nada do que é forçado satisfaz plenamente. Dessa forma, o indivíduo precisa lidar com uma frustração nem sempre consciente, com uma voz interior que lhe avisa que está equivocado. Para sufocar tal voz, mergulha de novo no prazer, para que a excitação física obscureça a consciência. Esse ciclo cria uma situação insustentável, que requererá doses cada vez maiores de animalidade para tentar sufocar o humano que teima em se manifestar. Talvez a imagem mais emblemática disso seja uma cracolândia, mas a mesma situação pode ser percebida em qualquer local de cultivo do vício, como botecos, zonas de meretrício, ou mesmo no interior de casas e apartamentos, que abrigam pessoas em agudo conflito com a sua natureza humana.
Mas esse comportamento tem se tornado público, especialmente nas festas. Como já disse, uma festa deveria ser uma celebração, uma comemoração, na qual a alegria é simbolizada na comida, na bebida, na música e na dança, no riso, na amizade dos que celebram conosco. Prestem atenção, no entanto, no que têm se tornado tais eventos. O barulho excessivo do que chamam de música, berros ensurdecedores, gritaria, carne e álcool servidos como drogas e não como alimento ou símbolo de alegria. O mesmo fim entorpecente parecer ser dado ao sexo, de modo que, não raro, as pessoas nem se lembram do que fizeram na última noitada. Os hippies, que se entupiam de maconha, pelo menos partilhavam ideais humanos, equivocados ou não. Sonhavam com a paz e acreditavam no amor, seja lá o que quisessem dizer com isso. Mas chegamos ao ponto em que tudo parece não passar de corpo, instinto, excitação e frenesi momentâneos. Qualquer bando de feras selvagens teria vergonha de partilhar a natureza animal com os frequentadores de algumas das nossas festas.
Não estou apenas fazendo julgamento estético ou moral. Chamo a atenção para o fato óbvio de que essa versão selvagem de nós mesmos é sintoma da terrível decadência em que vivemos e um alerta para o que nos espera no futuro. Que tipo de humanidade emergirá de uma sensibilidade tão esgotada?