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O cultivo da espiritualidade

O ser humano não é, apenas, o conjunto de carne e ossos, como alguns pensam. É muito mais do que isso. Além dessa dimensão exterior, visível (corpo) há, nele, a dimensão interior, invisível (interioridade). Ambas são reais e se manifestam de modo diverso, mas não são separáveis. Formam um todo, uma totalidade e uma unidade […]

O ser humano não é, apenas, o conjunto de carne e ossos, como alguns pensam. É muito mais do que isso. Além dessa dimensão exterior, visível (corpo) há, nele, a dimensão interior, invisível (interioridade). Ambas são reais e se manifestam de modo diverso, mas não são separáveis. Formam um todo, uma totalidade e uma unidade fundamentais. Em qualquer manifestação humana, as duas dimensões estão presentes. Mesmo que na maioria das vezes nem todos tenham consciência dessa relação.

Infelizmente, segundo minha visão antropológica, ainda tem adeptos ferrenhos da visão antropológica platônica (Platão 428-348 a. C.) que foi radicalizada por René Descartes (1546-1650): a teoria do dualismo. Segundo esse posicionamento antropológico, o ser humano seria composto por duas “substâncias” independentes e autônomas. O que equivale dizer que, na linguagem deles, a dimensão externa (o corpo) seria autônomo, sem relação alguma com a parte interna (a alma) e vice-versa. Descartes ainda acentua que o corpo humano é uma “máquina”, que “funciona” por si, raiz do mecanicismo materialista, ateu.

A espiritualidade tem a ver com a interioridade. Está relacionada com a vida interior, mas profundamente ligada à vida corporal do ser humano. A espiritualidade impregna a totalidade do ser humano. Não está relacionada, apenas, com seus sentimentos, suas emoções (aspecto psicológico). Vai além, no seu espírito, a expressão mais elevada do ser humano. É, ali, o lugar da liberdade, da consciência, das grandes intuições e dos grandes projetos de sua vida. Justamente, ali que se localiza a espiritualidade.

Como toda a realidade humana, a espiritualidade tem que ser educada, cultivada, alimentada, para que possa ser posta a serviço do desenvolvimento, do equilíbrio, da maturação do ser humano como um todo. Neste nível de vida, o ser humano se abre para o “além de si mesmo”, para o Infinito, para o Transcendente, na linguagem religiosa, para Deus. Essa abertura para o Transcendente, não é, portanto, uma construção social ou cultural, mas é parte intrínseca, imanente do ser humano. O ser humano é inteiramente espiritual, como é também inteiramente carnal.

Para viver profundamente essa abertura para o Transcendente (Deus), o ser humano necessita de uma fé viva, isto é, a aceitação, adesão, entrega ao Transcendente, senti-lo e aproximar dele, ultrapassando-se a si mesmo. Servindo-me da linguagem da informática, o ser humano tem que estar conectado profundamente com Transcendente para viver autenticamente a espiritualidade.

Não basta, apenas, um sentimento ou emoção espiritual. Não é uma emoção passageira, de ocasião. A vivência da espiritualidade verdadeira exige um cultivo, um contínuo esforço de aproximação sempre mais estreita com o Infinito (Deus). Quanto mais constante, estreita e íntima for a relação com o Absoluto (Deus), mais profunda e verdadeira será a espiritualidade. Então, pode-se dizer que esse ser humano que assim procede, está vivendo a espiritualidade.

Assim, nascem as várias manifestações pessoais e coletivas da espiritualidade, ao longo da História da humanidade. Como se percebe, por aquilo que foi exposto, acima depende da visão que se tem do ser humano e do próprio Transcendente (Deus). Nesse ponto, é bom salientar que a espiritualidade cristã é absolutamente diferente das demais. Não é possível colocá-la no mesmo patamar da espiritualidade espírita, budista, xintoísta… A espiritualidade cristã tem seu ponto de referência fundamental na Graça de Deus, a iniciativa, primazia é de Deus. É o Deus que vem ao encontro do ser humano e não o contrário. É o Deus da misericórdia que resgata, liberta e salva.