O dilema da liberdade
A liberdade é uma das questões mais espinhosas para filósofos e mestres espirituais em toda a história. Houve quem negasse totalmente a existência dela, afirmando que nossa vida é apenas o cumprimento de um destino previamente traçado. É o caso, por exemplo, dos filósofos estoicos, da Grécia antiga. Esses filósofos eram materialistas, e como o mundo material é regido por leis estritas, não viam espaço para liberdade. Ao ser humano, caberia apenas aceitar o destino e não lutar, inutilmente, contra ele.
De fato, é difícil falar em liberdade de uma perspectiva materialista. Tudo que é matéria obedece a leis rígidas da natureza, como a lei da gravidade. Uma pedra não pode escolher ficar flutuando no ar, nem a água pode decidir subir uma ladeira por conta própria. Os animais, além das leis gerais da matéria, são regidos pelos seus instintos, conforme sua sensibilidade. Nós, humanos, experimentamos em nós as mesmas leis naturais que regem os outros seres. Sofremos a ação da gravidade, temos fome e sede, nossa sensibilidade desperta emoções que nem sempre desejamos ou podemos controlar. Mas há em nós outro elemento, que nos faz experimentar a força de outra lei, gerando certo desconforto em nosso interior. Podemos identificar essa outra instância como razão ou espírito, com maior ou menor influência religiosa nessa consideração.
O fato é que somos seres híbridos, e é essa mistura de naturezas que dá o tempero da nossa vida moral. Se fôssemos puramente materiais, viveríamos imersos na natureza, como qualquer animal. Há quem imagine que essa entrega à vida instintiva é um sinal de liberdade, e que as “amarras” da vida vêm de padrões morais arbitrários, inventados para que pudéssemos ser dominados. A ideia, no entanto, é muito limitada. Não existe liberdade no corpo, nas emoções, na sensibilidade. Nenhum de nós escolhe ficar ou deixar de ficar com raiva, ou qualquer outra emoção. O que podemos fazer, como seres racionais, é colocar essas emoções sob controle. E é exatamente na natureza racional que pode residir nossa liberdade. O filósofo alemão Immanuel Kant propõe que liberdade está em obedecer à regra moral que é ditada pela razão, mesmo que vá contra a tendência ou o interesse sensível ou material. A razão, ou o espírito, é a instância onde podemos exercer nossa liberdade. Se fôssemos seres meramente racionais, como os anjos ou como o Dr. Spock, de Jornada nas Estelas, obedeceríamos a essa lei moral do mesmo modo como as pedras obedecem à lei da gravidade.
Nossa natureza material e sensível, no entanto, faz com que experimentemos essa oposição entre “carne e espírito”, como diz São Paulo. Todo materialismo, que pretende negar nossa natureza espiritual, propondo uma liberdade “animal”, é enganoso. Ser humano, e livre, é se equilibrar continuamente nessa balança, sem esquecer que é o espírito quem deve estar na boleia.