José Francisco dos Santos

Mestre e doutor em Filosofia pela PUC/SP, é professor na Faculdade São Luiz e Unifebe, em Brusque e Faculdade Sinergia, em Navegantes/SC e funcionário do TJSC, lotado no Forum de Itajaí/SC.

O Direito para além da lei

José Francisco dos Santos

Mestre e doutor em Filosofia pela PUC/SP, é professor na Faculdade São Luiz e Unifebe, em Brusque e Faculdade Sinergia, em Navegantes/SC e funcionário do TJSC, lotado no Forum de Itajaí/SC.

O Direito para além da lei

José Francisco dos Santos

Tecnicamente, uma Assembléia Constituinte pode decidir qualquer coisa, e tal coisa será lei. Os legisladores, no entanto, procuram definir, em primeiro lugar, os princípios fundamentais que regerão a sociedade. E não o fazem ao acaso. Princípios não são inventados: pertencem ao arcabouço cultural de um povo. Alguns deles, ousamos dizer, pertencem à base de toda a humanidade.

Na Filosofia do Direito, quando os princípios são considerados balizadores da lei que será estabelecida, costuma-se chamar essa “lei antes da lei” de “Direito Natural”. A Constituição de 1988 estabeleceu alguns, como a inviolabilidade da vida, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político. Ao fazer isso, os constituintes “positivaram” tais princípios, fazendo com que sua violação seja também uma violação da lei, passível de punição pelo Estado. A essa lei escrita, estabelecida, chamamos de “lei positiva”. Daí a oposição que se faz entre Direito positivo (o conjunto das leis efetivamente em vigor, estabelecidas pelo Estado) e o Direito natural, composto por princípios que podem ou não estar “positivados”.

O problema maior da controvérsia se dá pelo peso que tais princípios têm tanto na elaboração das leis quanto no seu trato pelo poder judiciário, uma vez que nem todas as pessoas aceitam, em uníssono, os mesmos princípios. Os positivistas acham que essas coisas devem ser abandonadas pela “ciência jurídica”, já que não podem ser decididas “cientificamente”. O abandono dos princípios, porém, abre espaço para a criação de leis que podem ser verdadeiras anomalias. Imagine uma lei que, por exemplo, oficialize a pedofilia, dando direito sexual aos pais sobre os filhos (aliás, isso está na agenda da ideologia de gênero, e aparecerá aos poucos). Embora possa estar em vigor e não ferir nenhum dispositivo constitucional – na hipótese de a constituição não ter positivado nenhum princípio contrário – ferirá terrivelmente o sentimento de justiça e o bom senso. Esse sentimento é uma demonstração fenomenológica da existência de um Direito natural, que é anterior e está acima das leis positivas, e que estas devem respeitar. Apenas com base nesse sentimento e nos valores que prezamos como civilização é possível classificar uma lei como justa ou injusta. Do contrário, tudo passa a valer, pois, sem princípios, os fins justificam os meios.
Uma das fontes dessa lei natural é a religião. Assim podem ser considerados os Dez Mandamentos que, segundo a crença, foram dados por Deus a Moisés. Não são, portanto, fruto da decisão humana. Seus princípios podem, sim, ser considerados universais: o repouso semanal, a proibição de matar, a honra aos pais, o respeito ao outro na sua sexualidade e seus bens, a honestidade e a verdade estão, de fato, acima de qualquer lei, e independem da cultura. Mesmo que não tivessem sido dados por Deus, seriam princípios obrigatórios para qualquer ser humano. Parecem ser elaborados sob medida para a natureza do ser humano, como indivíduo e em sua vida social. Daí serem exemplo do que chamamos de Direito natural.
Os filósofos iluministas, tentando livrar-se da influência religiosa, estabeleceram os princípios fundamentais, o direito à vida e à liberdade (e à propriedade, diria Locke), como exigências da razão.
Independente da fonte, o fato é que o Direito, sem princípios sólidos, pode tornar-se instrumento de torpeza e injustiça. Que os ministros do STF pensem nisso até amanhã, já que estão atropelando leis, princípios e qualquer sinal de decência!

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