O fim de uma era: como Brusque superou a decadência das gigantes têxteis
Declínio das fábricas centenárias faz com que a cidade se reinvente dentro do mesmo segmento
Em todas essas dificuldades, as três principais indústrias têxteis da cidade – Fábrica de Tecidos Carlos Renaux, Buettner Indústria e Comércio e Companhia Industrial Schlösser – que até os anos 1960 eram a base da economia de Brusque, conseguiram se recuperar.
A partir dos anos 1990, porém, esta história começa a mudar. A abertura comercial do Brasil trouxe impactos diretos nas grandes têxteis da cidade. A agonia das fábricas centenárias, que durante muitos anos foram símbolo do progresso do município, foi acompanhada com tristeza e preocupação por toda população até o fim, nos anos 2000.
Marcus Schlösser, presidente do Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem de Brusque (Sifitec) e membro do Conselho de Administração da Schlösser, diz que a abertura do mercado e a oscilação cambial balançaram as estruturas do setor e contribuíram significativamente para a queda das três indústrias da cidade.
“O dólar teve um período que chegou a R$ 0,86. As empresas, principalmente aquelas cuja parcela considerável era destinada à exportação, acabaram honrando seus contratos, mas em seguida desativaram o setor de exportação. O que hoje sabemos que foi um erro porque meses depois o câmbio voltou aos patamares considerados normais para a época”.
Era um mundo fechado. As empresas estavam na terceira, quarta geração administrando. Famílias inteiras dependiam disso, se acomodavam dentro dessas organizações e, com isso, perderam a chance de adaptação, de sobreviver
A defasagem tecnológica tornava a concorrência com o mercado externo ainda mais difícil, e também é vista como um ponto de contribuição para a queda das gigantes de Brusque.
“Até os anos 80, início dos anos 90, as empresas investiam bastante em tecnologia, sempre vinham consultores da Europa para auxiliar, havia o investimento em equipamentos. Como tinham atuação no mercado externo, tinham acesso à tecnologia, mas chegou um momento que faltaram recursos e aí a defasagem tecnológica foi muito rápida”.
Schlösser observa que somadas às crises que são comuns e cíclicas em todos os setores, a forma de gestão das indústrias foi um fator que contribuiu decisivamente para a decadência. De acordo com ele, as indústrias de Brusque estavam verticalizadas e à mercê de gestões engessadas.
“Era um mundo fechado. As empresas estavam na terceira, quarta geração administrando. Famílias inteiras dependiam disso, se acomodavam dentro dessas organizações e, com isso, perderam a chance de adaptação, de sobreviver”.
Começava um longo período de reformulação, visando resgatar o sucesso de outrora. Apesar das tentativas. A Fábrica Renaux, pioneira do setor têxtil em Brusque, sucumbiu e teve falência decretada em 15 de julho de 2013. A Buettner teve o mesmo destino, três anos depois, em 2016.
“Todas, de alguma forma, demoraram a perceber a importância da recuperação judicial. Quando se tomou a decisão, já era tarde, os benefícios já não adiantavam mais”, avalia Marcus Schlösser.
O processo de recuperação judicial da Schlösser chegou ao fim em 2018. Das centenárias, é a única que conseguiu concluí-lo sem decretar falência. Em 2011, apostou em uma parceria com a Buettner, utilizando parte da estrutura da empresa para manter as atividades.
Com a falência da Buettner, o que restou da centenária Schlösser também teve que desocupar o espaço. “Teoricamente, a Schlösser continua e agora está paralisada. Estamos avaliando nos próximos meses o que fazer.
As centenárias foram, no entanto, uma grande escola para muitos brusquenses que ainda continuam no ramo têxtil, trabalhando em outras empresas ou tendo agora o seu próprio negócio.
Quando os problemas começaram a surgir nas três indústrias, no fim dos anos 80 e início dos anos 90, muitas famílias começaram a empreender, abrindo a própria empresa dentro do mesmo segmento.
“As dificuldades das grandes propiciaram o aparecimento de várias outras empresas, que tomaram o espaço das centenárias com folga, tanto que o setor continua com geração de riqueza e sendo a principal economia da cidade”, observa Schlösser.
Para o presidente da Associação das Micro e Pequenas Empresas de Brusque (Ampebr), Ademir José Jorge, o espírito empreendedor do brusquense foi fundamental para que a cidade não fosse tão impactada pela crise das centenárias.
A medida que os anos avançavam, o número de empregados nas fábricas diminuía. Porém, muitos trabalhadores foram absorvidos por outras empresas que surgiram ao longo dos anos.
“Muitos ainda, devido à experiência que tinham, colocaram suas próprias empresas, atuando como terceirizados. Com certeza, as centenárias trouxeram uma experiência grande para muitas pessoas que hoje são grandes empresários. A cidade não sentiu o número de desempregados porque rapidamente se recolocaram no mercado de trabalho”.
De acordo com ele, atualmente, 90% dos empregos em Brusque são de micro e pequenas empresas. “São essas empresas que sustentam e são responsáveis por grande parte da economia do nosso município”.
Mesmo sem as centenárias, o número de empregados no setor têxtil em Brusque e região é de aproximadamente 12 mil pessoas, de acordo com o presidente do Sindicato dos trabalhadores nas Indústrias de Fiação e Tecelagem (Sintrafite), Aníbal Boettger.
“Com a situação dessas empresas, muitos funcionários, com ousadia, capacidade, iniciaram seu próprio negócio e hoje são exemplo de gestão. Outras empresas que eram pequenas, ampliaram sua capacidade e tornaram o setor viável, mesmo com todas as dificuldades”.
Wolfgang é um dos exemplos de empreendedorismo saído da grande indústria têxtil. Em 1991, juntando a experiência conquistada na Schlösser e também na Hering, em Blumenau, ele abriu sua própria empresa. Começou com uma loja na FIP, que não deu certo. Ele não desistiu e em 1996, surgiu a Klaubitex, confecção de moda feminina e plus size.
“Com certeza, o período que fiquei na Schlösser foi um aprendizado e me influenciou a seguir no ramo têxtil”.
Com certeza, o período que fiquei na Schlösser foi um aprendizado e me influenciou a seguir no ramo têxtil
A empresa familiar está ativa até hoje, no bairro Jardim Maluche. Atualmente, sob o comando dos filhos do empresário. Todo o processo de produção é terceirizado, o que contribui para o fomento da cadeia têxtil do município.
“Minha filha é formada em Moda e faz a coleção, pedimos a malha pronta, minha mulher faz a talhação, e depois levamos para facções parceiras. Conforme a demanda, a embalagem também é terceirizada, e assim conseguimos nos manter no mercado, como diversos outros colegas que começaram nas grandes fábricas e hoje gerenciam seu próprio negócio”, diz.
O presidente da Ampebr reforça a importância da iniciativa que a população da cidade mostrou para superar esse momento.
“Já passamos por muitas situações, mas o povo brusquense é empreendedor, vai a luta, tem garra, vontade de trabalhar e tem uma visão diferenciada. Muitos, inclusive, levam como exemplo o que aconteceu com as grandes indústrias para não repetir o mesmo erro”.
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