O monstro do desperdício
A gente, hoje, tem acesso a muita informação. Mais do que conseguimos assimilar, mais do que temos tempo para sorver, mais do que conseguimos prestar atenção. A gente, hoje, corre… mas só porque não conseguimos voar. O tempo é sempre curto e a vida é sempre exigente. Certo? Pois é. É assim que a gente deixa de fazer coisas fundamentais, como reunir informação suficiente para perceber que nosso estilo de vida é, simplesmente, insustentável.
A gente tem que parar para repensar. Tudo. Cada hábito que aprendemos e levamos adiante, cada um deles… precisa ser mudado agora mesmo.
É mais ou menos assim que a gente sai pensando, logo que termina de ver o documentário Wasted! A História do Desperdício de Alimentos, que está, eventualmente, na programação do canal National Geographic (não, não tem na Netflix… mas tem no catálogo do FoxPlay, para ver online). O documentário lançado em 2017, tem Anthony Bourdain entre seus produtores executivos – ele também funciona como uma “costura” entre as partes do documentário, embora não dê para pensar nele como apresentador ou “guia” do filme. Não dá para matar direito as saudades dele…
Mesmo que a gente costume se incomodar com o desperdício de alimentos e com a produção de lixo, nada como ver a realidade “ao vivo”, capturada no filme, para ter uma dimensão mais real das coisas. Mesmo que se trate da realidade norte-americana, impressiona ver que nosso desperdício doméstico, embora precise, é claro, ser reduzido, não chega a “fazer cócegas” na questão do desperdício, se for analisada a agricultura, a indústria e o grande comércio. Os números são terríveis, mas dá pare resumir com uma declaração básica: se todos os alimentos que são produzidos fossem aproveitados, não haveria fome no mundo. Tá bom para você?
Wasted! mostra várias iniciativas, todas elas dando muito certo, que usam partes de alimentos que são desprezadas – da casca do pão de forma, que vira cerveja… aos talos e folhas que nós só não comemos por pura falta de costume. Mostra indústria que transforma o soro que sobra da produção do iogurte grego em energia elétrica.
Mostra ações válidas e que merecem muita visibilidade em todas as “camadas” do desperdício. Nessa pirâmide, temos primeiro o aproveitamento das “sobras” na alimentação humana (que lindos os mercadinhos que vendem legumes e frutas “feios”, que são desprezados pelos supermercados tradicionais), depois na alimentação animal (o Japão sempre ensinando como podemos pensar as coisas em conjunto), depois a geração de energia e a compostagem… No fim, ficam os lixões, que produzem muito metano e ajudam a destruir a camada de ozônio do planeta.
Ou seja. Tudo o que fazemos, teria que ser feito de outro jeito. Por que não consumimos toda a couve-flor, incluindo suas folhas? Por que caímos na sofisticada tentação do comércio de comprar mais comida do que consumimos? Por que achamos que “jogar no lixo” é se livrar de um problema, quando, na verdade, estamos só passando adiante toda a responsabilidade sobre o próprio consumo? Por que achamos que as coisas sempre foram assim e são imutáveis, sendo que essa estrutura de produção de alimentos é tão recente? Por que acreditamos no que as indústrias nos dizem? Por que achamos – ou melhor, temos tanta certeza – que não precisamos mudar?
A gente tem, precisa, necessita, não pode escapar… de encarar que, mesmo difícil, a mudança nos hábitos tem que ser feita, em uma tentativa de modificar a grande engrenagem a partir da nossa ponta, a ponta do consumidor. Com um consumo coletivo mais consciente e menos manipulado, a indústria terá que se reavaliar. Quem sabe ainda dá tempo de não destruir a nossa Terra e demonstrar nossa tão auto festejada inteligência?
Claudia Bia – jornalista inconformada com a burrice humana
Tão ou mais chocante, existe outro documentário, desta vez disponível na Netflix: The True Cost, sobre a indústria da moda, mais especificamente da fast fashion e de como a moda barata que consumimos é prejudicial não só para os que a produzem, ganhando muito pouco e trabalhando sob condições precárias, mas também para o ambiente e a saúde de populações inteiras. Apavorante. Podemos falar sobre ele em outras páginas beltranas…