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O que impede que o tratamento do câncer pelo SUS seja realizado nos hospitais de Brusque

Azambuja e Imigrantes querem oferecer serviços na rede pública de saúde, mas esbarram na política e burocracia

O que impede que o tratamento do câncer pelo SUS seja realizado nos hospitais de Brusque

Azambuja e Imigrantes querem oferecer serviços na rede pública de saúde, mas esbarram na política e burocracia

Pacientes diagnosticados com câncer em Brusque precisam, obrigatoriamente, se dirigir a Blumenau, por conta própria ou em transporte fornecido pela Secretaria de Saúde e pela Rede Feminina, para realizar todas as etapas do tratamento, desde consultas até procedimentos mais complexos, como radioterapia, quimioterapia e cirurgias. Nada, além de encaminhamento, é feito pela rede pública do município.

Enquanto isso, dois hospitais da cidade já contam com estrutura para atender a área de oncologia, submeteram suas propostas ao poder público de prestar serviços pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas dependem da autorização de órgãos regionais para fornecer o tratamento.

Além disso, gestores da área da saúde de Brusque possuem pouco poder de decisão em relação ao assunto. Até então, o credenciamento e aprovação de um hospital prestar serviço na média e alta complexidade passava, inicialmente, pelo crivo da Secretaria de Saúde de Brusque e do Conselho Municipal de Saúde (Comusa).

Recentemente, no entanto, o Comusa foi excluído do processo, após decreto publicado pelo governo do estado. Esse documento, datado do fim de setembro, estabelece que a competência para habilitar hospitais na área de oncologia passa a ser da Comissão Intergestores Regionais (CIR), um órgão formado pelos 14 secretários de Saúde do Médio Vale do Itajaí.

Na quinta-feira, 19, o Comusa votaria o pedido de credenciamento do Hospital Imigrantes para atendimentos na área de oncologia pelo SUS. O pedido do hospital, que atualmente é administrado pelo Instituto Maria Schmidt (Imas), inclui uma série de serviços. Foi solicitado credenciamento da Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon), compreendendo o serviço de quimioterapia e as habilitações em hospital geral de cirurgia oncológica, unidade de assistência de alta complexidade em oncologia, unidade com serviço de oncologia pediátrica e oncologia cirúrgica hospitalar.

No entanto, apenas uma votação simbólica pôde ser feita. Como o conselho foi retirado da jogada, o presidente do Comusa, Robson Zunino, sugeriu a saída do tema da pauta oficial de deliberação, o que foi acatado pelos conselheiros. 

A solicitação do Imigrantes foi feita em agosto deste ano, época em que a atual secretária de Saúde de Brusque, Thayse Rosa, havia acabado de assumir a pasta. Ela tinha outros problemas mais urgentes para resolver, e acabou deixando a análise para setembro, quando deu parecer favorável, o qual seria agora submetido ao Comusa. 

Pareceres da Secretaria de Saúde

O parecer favorável ao Imigrantes gerou uma certa polêmica nos bastidores da saúde pública do município, tendo em vista que solicitação semelhante, feita anteriormente pelo Hospital Azambuja, havia sido negada.

O Azambuja também busca credenciamento para atender a oncologia pelo SUS, e desde 2017 submete pedidos ao município e ao estado – todos, em uma ou outra instância, foram negados. Em reunião no Comusa, a secretária explicou o motivo da negativa atual.

Disse que o pedido do Azambuja, ao contrário do Imigrantes, não continha claramente quais serviços a instituição se propunha a realizar, o que motivou o parecer contrário. Também foi considerado, no parecer da secretária, o fato do governo do estado ter indeferido o pedido anteriormente.

Mais à frente, o Azambuja protocolou novo pedido, desta vez deixando claro a proposta de habilitação de uma Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon). Quando esse pedido chegou à mesa para ser analisado, já havia a nova determinação de que as habilitações em média e alta complexidade não deveriam mais ser analisadas pelo Comusa. 

“Eu queria deixar claro que, enquanto gestor, a gente não tem que ter preferência por hospital A, B ou C, o que a gente quer é esse serviço prestado para a população, no território, sem que esse munícipe tenha que ir até Blumenau”, afirmou a secretária aos conselheiros do Comusa.

Ela acrescentou, ainda, critérios que devem ser considerados na análise técnica das propostas. “Quando a Secretaria da Saúde faz essas análises, faz também de forma estratégica no sentido de fila represada, o que se tem no município”, afirmou. 

“O Azambuja presta um serviço bom, é referência, habilitado em vários serviços, mas também tem que dar vazão ao que ele é habilitado. Não adianta habilitar tudo em um só e não ter vazão. Vai ter horas que vai ser habilitado no Dom Joaquim, no Imigrantes, hora habilitado no Hospital Azambuja. E acho saudável, quanto mais prestadores, melhor”, disse, dirigindo-se aos conselheiros. 

Patrícia Paladini, superintendente de planejamento do Hospital imigrantes, está otimista com a tramitação do pedido da instituição no órgão regional.

Em entrevista à rádio Diplomata, ao fim da reunião do Comusa, disse que o pedido vai seguir o fluxo normal, com encaminhamento para a CIR e para a Secretaria Estadual de Saúde, e considerou que a falta de votação pelo Comusa não atrapalha o andamento do pedido. “A gente espera o mais rápido possível trazer esses serviços para os cidadãos brusquenses”, declarou.

Com isso, a situação atual é de que nenhum dos hospitais, apesar de possuírem equipamento e pessoal especializados, podem atender os cidadãos de Brusque que tratam o câncer pelo SUS. Enquanto isso, centenas de pessoas são obrigadas a enfrentar viagens desgastantes para ter acesso à saúde.

Ainda que de apenas pouco mais de uma hora, o trajeto se torna exaustivo para os pacientes, muitas vezes debilitados pela doença, pelas fortes medicações e principalmente pela quimioterapia, que produz efeitos adversos agressivos, como vômitos, náuseas e cansaço extremo. 

Atualmente, atendimentos ocorrem em Blumenau, no Hospital Santo Antônio | Foto: Jaime Batista da Silva/Especial

Fatores políticos e financeiras

Sheila Citadine Pamplona, gerente de operações do Hospital Azambuja, disse na reunião do Comusa que há também um fator financeiro impedindo a habilitação do hospital. Ela informou que dois processos solicitando o credenciamento foram negados porque o Hospital Santo Antônio, de Blumenau, que é referência no tratamento do câncer para a região de Brusque, vetou a habilitação do Azambuja.

O motivo é simples: o hospital blumenauense não quer abrir mão de recursos financeiros pagos pelo poder público para o tratamento dos pacientes oncológicos, e prefere manter todo o atendimento sob sua responsabilidade, centralizando o vai e vem de pacientes para Blumenau. 

Agora, com a mudança na legislação, o pedido do Azambuja já foi protocolado também na CIR, para que tramite exclusivamente lá. “O que temos que avaliar é a questão técnica. Temos oncologistas no hospital, temos a estrutura, vários serviços, não vamos deixar nada para trás, nós temos condições de abraçar, temos mais de 300 médicos no corpo clínico”, disse Sheila, que garante não haver razão lógica para que o hospital não seja habilitado. 

O conselheiro Juarez Graczcki levantou, durante a reunião do Comusa, um tema que é bastante discutido nos bastidores: a influência política nas decisões do governo do estado. A falta de representantes de Brusque na Assembleia Legislativa gera menos força para que se faça lobby e pressione os tomadores de decisão. Blumenau, por sua, vez, tem grande força, com diversos deputados titulares de cadeiras na Assembleia. 

“Muitas coisas não vêm para Brusque. Muitas vezes a questão é política, puxa-se para outros lugares o que poderia vir para Brusque”, comentou o conselheiro. 

Sofrimento amplificado

O tratamento do câncer fora do domicílio e suas peculiaridades são uma dor de cabeça crescente para os gestores da saúde pública de Brusque. 

O presidente do Comusa, Robson Zunino, apresentou um dado que mostra o tamanho da demanda de atendimentos na cidade. As neoplasias (cânceres) foram a causa, neste ano, de 278 internações em Brusque, número que só perde para as doenças do aparelho digestivo.

Ou seja, o câncer é a segunda maior causa de internações, e o tratamento não pode, por questões legais e burocráticas, ser oferecido aqui no município. 

Miriam Evangelista Ribeiro, presidente da Rede Feminina de Combate ao Câncer, é uma das maiores entusiastas da vinda do serviço para Brusque. Ela presencia diariamente o sofrimento das mulheres que tratam o câncer com o apoio da rede, que se torna amplificado pelas desgastantes viagens. 

“O problema é ficar lá esperando. Se uma paciente tem radioterapia às 7 horas e outra paciente tem atendimento às 11 horas, elas vão juntas. A que vai ter atendimento às 11h vai ter que ficar esperando, e a que foi atendida às 7h tem que esperar depois de ser atendida”, explica Miriam. 

“A paciente que faz quimioterapia vai de manhã às 6h30, e o motorista volta às 10h30, e depois volta [para Blumenau] de tarde e retorna [para Brusque] de noite. Aquela paciente que terminou a quimioterapia às 11 horas não consegue mais voltar, vai esperar até a noite. Esse serviço [ser oferecido em Brusque] é importante por isso”, explica.

No entanto, há também otimismo sobre o assunto. Durante reunião do Comusa, Miriam afirmou que a atual secretária de Saúde de Santa Catarina, Carmem Zanotto, é sensível à causa e tem interesse em trazer os serviços oncológicos para o município. 


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Brusquense relata mudanças na rotina familiar após diagnóstico de câncer de mama:


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