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O sistema imunológico espiritual

Na clássica distinção feita por Aristóteles, a alma possui três partes: vegetativa, sensitiva e racional. Nós, animais racionais, somos os únicos dotados dos três níveis, compartilhando a vida nutritiva com os vegetais e as sensações com os animais. Posteriormente, o pensamento judaico-cristão acrescentou a dimensão espiritual, completando o terceiro nível. A partir dessa compreensão da […]

Na clássica distinção feita por Aristóteles, a alma possui três partes: vegetativa, sensitiva e racional. Nós, animais racionais, somos os únicos dotados dos três níveis, compartilhando a vida nutritiva com os vegetais e as sensações com os animais. Posteriormente, o pensamento judaico-cristão acrescentou a dimensão espiritual, completando o terceiro nível. A partir dessa compreensão da alma, conclui-se que a excelência humana, que é aquilo que realiza ao máximo sua potência, é o domínio das partes superiores sobre as inferiores, ou seja, razão e espírito devem governar as sensações. Como a natureza é sábia, não deixou a parte nutritiva (alma vegetativa), sob o comando da nossa mente.

Nos animais, a parte sensitiva também é controlada pela natureza, mas em nós, esse controle foi deixado aos cuidados da nossa razão. Aí está uma grande vantagem e, ao mesmo tempo, um baita problema. Como nossos sentidos não têm freio natural, nós mesmos temos que lhes impor as regras, tendo em vista o bem geral do nosso ser, a felicidade, que só pode advir de uma personalidade equilibrada, que aprendeu a colocar as partes inferiores sob o controle das superiores. Como isso não e fácil, demanda conhecimento, esforço e persistência, não é raro que os vícios corrompam boa parte da humanidade, que se entregam sem limites aos prazeres proporcionados pelos sentidos. O próprio Aristóteles afirmava que a maior parte da humanidade vive uma vida bestial, preocupada apenas com a satisfação de seus instintos animais.

Pois bem, o que fortalece nossa humanidade é o esforço contínuo na prática das virtudes, na correção dos próprios defeitos, na lapidação racional e espiritual de nossa natureza animal e ainda propensa a todo tipo de erro e inadequação. Como essa lapidação é produto do hábito, quanto mais nos colocamos nesse caminho e praticamos as ações que tonificam nossa racionalidade/espiritualidade, mais ficamos fortalecidos e capazes de viver segundo os ditames da razão e do espírito. Fortalecemos nosso sistema imunológico espiritual, de modo a ficarmos mais protegidos contra os males que costumam nos atingir pelas brechas que encontram na estrutura da nossa alma.

No entanto, faz muito tempo que somos bombardeados pela propaganda contrária. Especialmente a partir do século XIX, muitos gurus intelectuais têm ensinado que a busca da virtude é um processo de repressão, que deve ser abandonado em nome da liberdade, em todas as suas manifestações. Os instintos e a degradação se tornaram objeto de admiração e de “arte”, e estão disseminados por todas as instâncias da cultura, cantados em prosa, verso e pancadão. Não é de se admirar que tenhamos adoecido tanto do ponto de vista moral e espiritual, e que a violência, as drogas, o desrespeito e a indisciplina estejam corroendo nosso presente e destruindo nosso futuro. Um retorno saudável aos clássicos da filosofia e da espiritualidade é um dos modos de escapar dessa loucura.