O templo da fé
Luteranos mantêm irretocável sua edificação centenária, que simboliza o cuidado com as tradições
O pastor Edélcio Tetzner, pároco da Igreja Luterana de Brusque, diz que “a comunidade se reconhece na Igreja”, ao resumir o papel do templo, inaugurado há 120 anos, na construção da fé dos luteranos.
“As pessoas, ao verem a igreja no Centro, se identificam com sua própria historia; olhar para a igreja é lembrar da infância, do casamento, de tantos momentos especiais que foram vividos ali. Ela transmite isso para nós”, discursa o pastor, que está em Brusque há pouco mais de dois anos.
O templo dos luteranos, reformado cerca de um ano atrás, foi inaugurado em 1895, mas sua história remonta há duas décadas antes, quando os primeiros imigrantes alemães começaram a chegar a Brusque, em 1863, poucos anos depois da fundação do município.
Esses imigrantes, luteranos, precisavam de um templo para manutenção de suas atividades religiosas. “Eles conseguiram trazer um pastor, que vinha uma vez por mês de Blumenau para fazer cultos aqui”, explica Sergio Kuchenbecker, atual presidente da comunidade Bom Pastor.
Os acasos da história contribuíram para que o templo esteja, hoje, no Centro, como um dos cartões-postais da cidade. Na época da fundação de Brusque, a primeira igreja foi construída no bairro Bateas, mas uma tempestade violenta a derrubou. O templo atual foi erguido em seguida, em oito meses: entre maio de 1894 e janeiro de 1895.
O pastor Edélcio lembra que há um fato que não consta na história oficial, somente nas atas da igreja. Um pequeno templo que havia no local onde hoje está a atual igreja foi derrubado para que esta fosse construída. “No início se pensava até em aproveitar essas paredes, mas não foi possível e acabaram colocando no chão”.
AQUISIÇÕES CENTENÁRIAS
Desde que foi fundado, o templo conserva quase todas as características originais e é ornamentado com objetos de idade semelhante. Em 1942, uma reforma tratou da ampliação das laterais e do altar, mas nada mais foi modificado, esteticamente.
O relógio da torre da igreja veio da Alemanha, e foi adquirido em 1911. Os luteranos, em comunidade, são conhecidos por se engajar em campanhas para aquisições ao seu patrimônio. O imponente órgão de tubos de 1200 cordas, que hoje ornamenta o templo, por exemplo, foi adquirido em 1960, com apoio de todos.
O órgão permaneceu intacto até 2014, quando uma reforma se mostrava urgente. A restauração, contudo, manteve o funcionamento original de sua parte mecânica. Os sinos da igreja são, também, antiguidades: instalados no templo desde o ano de sua fundação até 1928.
“Nós somos uma comunidade com pessoas engajadas, e isso tem trazido a manutenção deste patrimônio, a comunidade se orgulha da sua história, da sua teologia. É também um gesto de fé: daquilo que nós gostamos, nós também cuidamos”, resume o pároco da Igreja Luterana.
O cuidado com esse patrimônio, hoje, é redobrado: a modernidade trouxe as câmeras de vigilância em tempo integral, instaladas na igreja e ao seu redor, de forma a prevenir casos de vandalismo. Kuchenbecker conta que, cerca de dez anos atrás, a igreja teve parte de seus vitrais quebrados, depois que pedras foram arremessadas em sua direção.
“Na época foi pago um valor muito alto para colocá-los novamente, e também quebrou um lustre antigo. Mas ultimamente não tem acontecido; tudo que passa ao redor a gente está olhando”, afirma o presidente da comunidade Bom Pastor.
ARQUITETURA ECLÉTICA
O estilo da edificação está ligado à arquitetura religiosa trazida pelos imigrantes alemães ao Vale do Itajaí. Conforme estudos da arquiteta e urbanista Angelina Wittmann, mestre em Urbanismo, História e Arquitetura das Cidades pela UFSC, a expressão arquitetônica praticada no período da chegada dos primeiros imigrantes na região do Vale do Itajaí era oriunda da técnica construtiva enxaimel, isto nas construções residenciais.
As igrejas, porém, quase em uma unanimidade, seguiam o estilo romântico em vigor no século XIX, com características do estilo arquitetônico chamado Neogótico. Características deste estilo são, por exemplo, a verticalidade e a torre pontiaguda.
A arquiteta classifica a edificação da Igreja Luterana como um “exemplar eclético”, porque apresenta elementos arquitetônicos românicos, como o arco (parte frontal da igreja, onde fica a porta), plena cintra – oriundo de igrejas do período do império romano -, e o campanário em estilo neogótico.
Angelina explica, ainda, que a rosácea – elemento decorativo que fica logo acima do arco – não é tão grande como o estilo característico do neogótico. “É uma tipologia eclética com elementos românicos, neogótico e neoclássico, com planta retangular, uma torre frontal central, que também é o campanário, munido de relógio”, resume a arquiteta e urbanista. “O conjunto, a partir da linguagem neoclássica, recebe uma grande carga de decorativismo”.
Segundo a arquiteta, a Alemanha era um dos países que dava pouca atenção à arquitetura residencial (geralmente estilo enxaimel), empregava muita segurança na arquitetura militar (fortalezas e cidades muradas) e elevação espiritual na arquitetura religiosa (igrejas góticas).
“As pessoas que migraram para nossa região tomavam emprestadas aquelas lembranças de partes do templo cristão que habitam o inconsciente coletivo e as reproduziam, misturadas com outros”, afirma Angelina, “muitas vezes, o resultado era um elemento com colagens dos vários períodos, que denominamos eclético. É o caso desta igreja específica”.
POR QUE VAI AO CHÃO?
Ultimamente, um assunto vêm tirando o sono dos responsáveis pela administração do templo. Foi pedido o tombamento do prédio da igreja, o qual já foi aprovado no Conselho do Patrimônio Histórico. Isso não é bem visto pela comunidade.
“Deve se conservar, é a historia da cidade, a Igreja Luterana praticamente nasceu com a cidade de Brusque, temos que cuidar”, afirma Kuchenbecker, ao concordar com a necessidade de manutenção do patrimônio. Porém, ele acredita que o tombamento irá tirar da comunidade seu poder de cuidar da igreja.
O presidente da comunidade Bom Pastor, que mantém seu patrimônio conservado por mais de um século, constata que a dificuldade de que mais pessoas façam o mesmo é estritamente financeira. “Sei de uma construção histórica que foi ao chão porque, quando foi construída, a família tinha muitos recursos. Hoje os recursos são poucos e não há condição de conservar”.
Ele destaca o que fato de que, por se tratar de uma comunidade, foi mais fácil angariar recursos para conservar a igreja e realizar reformas necessárias, “mas há muitas pessoas que não tem potencial financeiro para cuidar disso”. “Como vão gastar R$ 1 milhão pra reformar um casarão? De onde vão buscar esses recursos? E assim aconteceu com muitos que foram ao chão”.