Olhar da fé
O ser humano é um ser privilegiado. É o único ser vivente natural, quanto sei, que tem a capacidade de enxergar a realidade circunstante sob vários ângulos. Isto lhe dá a possibilidade de ter vários olhares. Vejamos, por exemplo. O olhar de um cientista, por meio do microscópio, consegue ver inúmeros seres vivos que outros não veem, numa gota de água. Assim, também, onde a maioria vê uma “coisa”, o poeta, o artista percebe outros sinais de uma realidade bem mais rica e com significados diferentes.
Da mesma forma, o cristão (ã) pela fé tem um olhar diverso do que não vive a fé. De onde lhe vem essa capacidade? De Jesus Cristo, Filho de Deus. Sim, pela sua Encarnação, entrando definitivamente na História humana, dá a toda a realidade um sentido e conteúdo diferentes. Quem possui a fé, que é justamente o encontro pessoal com Jesus e a opção livre e consciente de segui-lo, consegue contemplar o universo e a humanidade em toda a sua verdade. A fé lhe dá essa visão. Portanto, possibilita-lhe enxergar e penetrar a realidade além das aparências, em sua totalidade. Assim, a fé, para o cristão (ã), não é uma limitação, mas uma abertura que lhe amplia a sua visão, dando-lhe a própria visão de Deus. De um olhar, apenas humano, o cristão (ã) que vive a fé consegue um olhar divinizado, o próprio olhar de Deus.
A fé, porém, não é uma conquista pura e simples do ser humano. Ela é, antes e sobretudo, um dom (graça) de Deus. É dom gratuito, portanto, sem mérito algum por parte do ser humano. Mas é também uma resposta humana. Resposta que se traduz na aceitação da Pessoa de Jesus, na adesão à sua Proposta de Vida (a Boa Nova do Reino) e na entrega de vida (seguimento incondicional), de modo livre e consciente. Foi o próprio Cristo que disse: “Eu sou a luz da vida. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8, 12). A fé nos leva a adotar o “Olhar de Jesus” sobre o mundo, os outros, nós mesmos e sobre o próprio Deus e a agir em consonância com esse olhar. Por isso, o olhar do cristão (ã) é diverso do olhar do que não tem fé.
Ter e viver a fé, portanto, não é, apenas, “ter uma crença”, “uma religiosidade”, “sentimentos religiosos”, “ter bons princípios”, “viver algumas práticas religiosas”, “não ter dúvidas”, “ser otimista diante da vida”… Também, não é uma impressão ou sentimento, uma opinião, uma norma de vida moral, um hábito sociológico, fruto da
tradição familiar, da educação. Nem mesmo o fato de “ser assíduo (a) na participação dos cultos ou celebrações religiosas”, no rigor do “cumprimento das obrigações religiosas”, seguir à risca os preceitos religiosos…
A fé não é o encontro de uma doutrina que lhe dá uma filosofia de vida. Ela é essencialmente um encontro com uma Pessoa: Jesus Cristo. Portanto, um encontro entre duas pessoas que querem se conhecer mais para se amarem mais. Encontro pessoal e amigo. A fé me coloca numa atitude de escuta para conhecer sempre mais o pensamento e a vida daquele que me convidou para uma convivência com ele. Sua Palavra, então, vai ser o grande alimento da fé. Foi justamente por isso que São Paulo nos disse: “… fé vem da escuta (pregação) da Palavra de Deus” (Cfr. Rom 10,17). A fé me leva a me reunir com os que já encontraram o Mestre. Por isso, a fé verdadeira só pode ser vivida em comunidade de fé, com os irmãos (ãs) que querem seguir juntos o caminho proposto pelo Mestre Jesus: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”.
O olhar da fé me faz ver o que os outros não veem. O olhar da fé me dá a visão de Deus. A fé abre novos horizontes para o ser humano. A fé não limita a visão humana, ao contrário, amplia dando-lhe a dimensão do Infinito.