Os desafios da educação: professores falam sobre o ensino durante a pandemia em Brusque
Profissionais destacam as dificuldades de aprendizado dos alunos e a importância do envolvimento da família
Profissionais destacam as dificuldades de aprendizado dos alunos e a importância do envolvimento da família
A pandemia da Covid-19 trouxe desafios para a saúde, economia, turismo, mas a educação, sem dúvida, foi uma das mais impactadas. De uma hora para outra, os professores tiveram que se reinventar para continuar ensinando seus alunos, mas de forma remota.
As novas plataformas e o modelo de ensino à distância, transformaram o conceito de escola, e devem impactar, principalmente, o aprendizado dos estudantes a longo prazo.
Professores da rede municipal de ensino de Brusque são unânimes: da educação infantil aos anos finais, o apoio da família será fundamental para minimizar os impactos no aprendizado e desenvolvimento das crianças no futuro.
O Município ouviu alguns profissionais da educação de Brusque sobre a nova forma de ensinar, as dificuldades e os reflexos que a pandemia trará para a vida dos estudantes.
A aprendizagem na educação infantil é basicamente pelo contato e interação com as professoras e os colegas. Desde o início da pandemia, as aulas são realizadas de forma remota, com vídeos com contação de histórias, músicas, brincadeiras, e outras atividades, que podem ser realizadas com a ajuda dos pais em casa.
Justamente por essa característica de interação dentro da sala de aula, que o retorno das aulas presenciais para a educação infantil precisa ser muito planejado.
A professora Jaqueline Medeiros considera que a educação infantil é o segmento no qual o retorno será o mais difícil de se cumprir dada a singularidade e particularidade existentes, próprias da faixa etária em que as crianças se encontram.
“A Educação Infantil é totalmente interativa, relacional, afetiva, sociável. A aprendizagem e o desenvolvimento acontecem pelo toque, pelo contato, nas interações e relações com a professora, com os amigos e o mundo que os cercam. Você consegue imaginar um bebê permanecer há um metro e meio de distância, justamente quando seus movimentos estão em pleno desenvolvimento e articulação? Quando sua expressão e comunicação está em gradativa ampliação?”, diz.
Opinião semelhante é da professora Raquel Rezini Cesário. Para ela, a retomada das atividades presenciais da educação infantil sem uma garantia de vacina segura põe em risco os profissionais, as crianças e seus familiares.
“A educação infantil é a primeira etapa da educação básica e é considerada uma das mais importantes etapas da formação das crianças, pois é onde elas começam a interagir e socializar fora do convívio familiar. É nesse espaço escolar que ela vai lidar com as diferenças, vai desenvolver a personalidade e a autonomia”, diz.
“A proposta pedagógica da educação infantil prevê a realização de brincadeiras, jogos e atividades prazerosas, que divertem e ensinam ao mesmo tempo. Lidar com bebês e crianças exige cuidados especiais e muito tato. Portanto, como vou dizer a um bebê ou a uma criança que ela não pode brincar com um amigo?”, completa.
Neste tempo todo, os professores precisaram adaptar suas rotinas para atender os alunos nos mais diversos horários. Também precisaram se atualizar com relação ao uso das tecnologias. O fato de não haver a possibilidade de contato presencial com os alunos acaba tornando tudo mais difícil.
“O trabalho na educação infantil está muito cansativo. Está ruim, dá tristeza, desânimo em ver as crianças sem poder tocá-las, pois essa faixa etária é mais o contato, é o colo, é estar juntos. Eles ainda não se acostumaram a ter a ‘prô’ ou os amigos numa tela de computador ou celular”, diz a professora Irene da Conceição Cunha.
Neste período, os professores estão tendo que contar muito com a ajuda dos pais, que em casa, fazem essa mediação entre as crianças e as atividades escolares, evitando, assim, possíveis perdas no desenvolvimento dos alunos.
“Essas limitações foram necessárias para o bem de todos e vão fazer parte da nossa vida por um tempo. Cabe ao responsável procurar maneiras de amenizar essa perda. Mas acredito que se tiver incentivo e o entendimento do responsável junto com o que os professores indicam, como já está sendo feito desde o início, as crianças vão conseguir manter seu desenvolvimento de acordo com a sua idade. Estamos trabalhando mesmo que on-line para que a criança não pare no tempo. A cada dia é uma novidade e um estímulo. Mas precisamos da ajuda dos pais para que dê certo”, observa a professora Irene.
A professora Raquel também vê a parceria entre os professores e a família como fundamental para este novo momento da educação infantil, reduzindo os prejuízos. “É de suma importância que as famílias e a escola estejam engajadas e unidas para que esse prejuízo no aprendizado seja amenizado. A eficácia desse aprendizado remoto depende do contato fora da escola que as crianças possuem com o seu professor, por meio de suas famílias”, diz.
“O principal é estabelecer uma rotina de atividade que os professores proporcionam. Essas atividades do dia a dia permitem a formação de laços entre criança, família, professor e escola. Leituras, jogos, brincadeiras, desenhos e até as pequenas tarefas domésticas, dentro de cada faixa etária, auxiliam no desenvolvimento”, completa.
O retorno das aulas presenciais neste momento também é desaconselhado pelos professores do ensino fundamental. Apesar de as crianças já terem o entendimento necessário da importância do distanciamento social, os profissionais consideram que ainda não há estrutura para isso.
Professor há 34 anos, Anderson José de Moura Campos diz que particularmente é contra o retorno neste período do ano, mas sabe que as rotinas escolares seriam retomadas.
“Sabemos que todas as medidas necessárias estão sendo tomadas para o retorno com a maior segurança possível para todos e, evidentemente, o retorno, como proposto pelo comitê de Brusque, será um ensaio importante para evidenciarmos as rotinas necessárias para 2021”.
Professora do 5º ano, Elisabetha Soares Clerice avalia que, no momento, “não temos como receber as crianças e os profissionais, com o mínimo de segurança sanitária. Não temos estrutura física, nem treinamento para lidar com a situação”.
O professor Anderson destaca que 2020 foi um ano difícil e confuso para todos, mas com o passar do tempo, os profissionais da educação foram se aprimorando nos métodos de trabalho e no entendimento das rotinas propostas aos alunos na pandemia.
A professora Elisabetha também destaca a rotina estabelecida com as famílias como forma de organização do trabalho. Ainda assim, com as rotinas, e os estudos constantes, ensinar de forma remota é um grande desafio.
O professor Anderson destaca algumas dificuldades que os profissionais têm enfrentado no dia a dia, como a devolução dos trabalhos e atividades fora do prazo proposto pelos professores; o acúmulo de defasagem educacional de alguns perfis; tempos de aprendizagem diferentes que não podem ser verificados in loco; muitos alunos perdem prazos e a sequência lógica de aprendizado, além da sobrecarga de trabalho dos professores, que perderam o tempo como referência.
“Passamos a atender os alunos e famílias a qualquer tempo e horário. Muitos só tem o período noturno para dispor de celular e acessar os conteúdos de estudo, logo, temos que também fazer as devolutivas nos horários que as famílias podem ofertar aos seus filhos”.
Para a professora Elisabetha, a maior dificuldade é a falta de interação.
“Da fala presencial, de olhar o rostinho das crianças e perceber suas dificuldades. De explicar mil vezes de forma diferente o mesmo conteúdo para que a criança avance na sua lógica infantil e construa seu conhecimento. Isso só o ensino presencial consegue. Porque junto com tudo isso tem o afeto, que no ensino remoto não conseguimos passar”.
O professor Anderson avalia que a educação formal, como conhecemos hoje, não existirá mais. “Teremos que diagnosticar os alunos, nos seus níveis de aprendizado e, após tabulação, entendermos em que nível de cognição eles se encontram. A educação passará por uma grande revolução”.
De acordo com ele, em muitas áreas do conhecimento os alunos estão enfrentando dificuldades de aprendizado, mesmo com todo o auxílio das tecnologias.
“As tecnologias por si só são ferramentas e não proponentes de educação. Haverá muito trabalho a ser feito no resgate de conceitos e rotinas de aprendizagem por parte dos professores e muita boa vontade por parte das famílias”, diz.
“A figura do professor nunca foi tão necessária para uma nação como nos tempos que estão por vir”, completa.
A professora Elisabetha observa que as crianças que apresentam mais dificuldades de aprendizado são aquelas nas quais a família não se envolveu ou não estabeleceu uma rotina no estudo remoto.
“Acho que com um trabalho sério, comprometido de nossos governantes, professores e da família conseguiremos superar as dificuldades e atrasos que por ventura ocorram. Acho que não devemos subestimar a capacidade de nossas crianças. Elas precisam de apoio da família, de investimento do governo e de planejamento pedagógico do professor. Mas ainda não foi feito nenhum estudo, para ter uma estatística clara, sobre os atrasos de aprendizagem”.
A professora também destaca que para o futuro, será preciso um esforço conjunto entre a família, a escola e o poder público.
“Será preciso contratar profissionais habilitados para proporcionar o reforço escolar de qualidade, em ensino integral, porque na escola pública, talvez o ensino híbrido não faça a diferença que fará no particular. As famílias precisam se comprometer em levar essa criança ao reforço, dar suporte para organizar essa rotina escolar, se envolver nesse projeto”, diz.
“Os professores devem ter consciência que irão ter alunos praticamente sem nenhum prejuízo e outros totalmente desorganizados. A gente percebe que as distâncias aumentaram na aprendizagem, é bem provável que precisaremos ter vários planejamentos dentro de uma mesma turma. Isso não é novidade, mas se fará mais necessário do que nunca”, complementa.