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Sociedade sem pais (2)

Na semana passada, vimos que o Racionalismo, o Iluminismo, o Positivismo, mais os outros “ismos” que têm sua origem, neles, trouxeram, sem dúvida, muitos avanços socioculturais. Todavia, nos deixaram, também, consequências que modificaram a estrutura e a organização de nossa sociedade. Com o intuito de tirar dos seres humanos o medo e de torná-los patrões […]

Na semana passada, vimos que o Racionalismo, o Iluminismo, o Positivismo, mais os outros “ismos” que têm sua origem, neles, trouxeram, sem dúvida, muitos avanços socioculturais. Todavia, nos deixaram, também, consequências que modificaram a estrutura e a organização de nossa sociedade. Com o intuito de tirar dos seres humanos o medo e de torná-los patrões de si mesmos, produziram uma sociedade sem pais.

Com a crise da Ciência e das Ideologias dos Regimes ditatoriais nazista, fascista socialistas-comunistas, além das sangrentas duas guerras mundiais, formou-se um clima de descrédito da Modernidade e o surgimento de um ambiente sociocultural que passou a ser denominado de pós-moderno. Esse pensamento pós-moderno caracteriza-se por um “pensamento fraco” que manifesta a experiência da falência das pretensões da razão adulta, preconizada pelo Racionalismo e Iluminismo.

Esse “pensamento fraco” foi muito bem descrito e apresentado na obra filosófica do filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017). Ele fala de uma “sociedade líquida’ e de uma “cultura líquida”. Nela, tudo flui, escorre, com rapidez, porque não tem consistência. Quem comanda tudo é o imediatismo, a busca de interesses, gostos, satisfações imediatas, passageiras. Uma vida líquida, um amor líquido… Tudo “escapa” como a água de uma torneira que escorre das nossas mãos. Segundo suas palavras: “as relações escorrem pelo vão dos dedos”.

A Pós-Modernidade pode-se afirmar, a grosso modo, que gestou uma Sociedade e uma Cultura de fragmentação, de fomento do subjetivismo, do individualismo, do relativismo… Nesse ambiente sociocultural, aqueles horizontes carregados de sentido, de rumos, cedem lugar as rejeições das certezas ideológicas, gerando e disseminando um sentido de mal-estar, de vazio, de solidão, de deslocamento, de indiferença, de falta de paixão pela verdade… Cresce a satisfação de seus interesses e a busca do imediato, do passageiro, do efêmero, do próprio interesse ou do seu grupo.

Com isso, vai se firmando a indiferença aos valores que sustentavam o sentido da vida e a própria consistência da sociedade e da cultura. Sem referência ao Absoluto, ao Transcendente, ao Deus como Criador e Pai, operada pela razão iluminista, positivista, a posição anunciada da “morte de Deus”, dá um passo mais radical ainda, com a “morte do pai”. O pai (mãe) é considerado a figura privada de qualquer interesse ou atração. Ignorá-lo é, no fundo, mais trágico do que combatê-lo para se libertar dele. Como aconteceu com a figura de Deus (o Absoluto), a negação de Deus, tem seu corolário com a negação da figura do pai.

A Pós-modernidade não nega explicitamente Deus, não sente necessidade de fazê-lo, mas esvazia o transcendente, o sagrado de qualquer significado e de qualquer atratividade. Deus e a religião, quando muito se tornam um “ornamento” na vida. Usam até seus símbolos. Sem nada a ver com a experiência e vivência da fé pessoal, participativa, atuante, numa comunidade. Da mesma forma, não se nega explicitamente a figura do pai, nem se combate abertamente, mas se esvazia seu significado, sua figura é tida como desnecessária ou é ignorada, carente de interesse ou atração.

É claro que fizemos uma ligeira reflexão a respeito do que ocorreu, nestes três últimos séculos. Como as pessoas com quem deparamos diariamente percebem isso? Com certeza, não se encontra com frequência esse quadro, vivido de maneira lógica e organizada, como expus. As pessoas comuns vivem sem tomar consciência dessa realidade, em diversos âmbitos socioculturais. Mas, sem perceber seu modo de pensar, de falar, de agir, de se comportar mostra a desconfiança em relação ao pai e gostariam de se libertar de um Deus, percebido como Pai-patrão. Também, na indiferença geral, na apatia, na desconfiança em relação a uma verdade superior. Sobretudo, nos mais jovens.