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A arte de cuidar

Uma das grandes atitudes do ser humano é saber cuidar de si e das coisas e pessoas que o circundam. O saber cuidar, porém, não é o suficiente. Por isso que desde cedo, aprendeu a exercitar, com gestos e atitudes efetivas, essa habilidade. De fato, dessa disposição de cuidar-se e de cuidar das coisas e […]

Uma das grandes atitudes do ser humano é saber cuidar de si e das coisas e pessoas que o circundam. O saber cuidar, porém, não é o suficiente. Por isso que desde cedo, aprendeu a exercitar, com gestos e atitudes efetivas, essa habilidade. De fato, dessa disposição de cuidar-se e de cuidar das coisas e dos outros, surgiram importante elementos de nossa cultura humana.

Elementos que foram enriquecendo o patrimônio cultural que simplificaram e melhoraram a qualidade de sua vida diária. Além disso, contribuíram imensamente na economia de energias e de tempo, proporcionando disponibilidade para outras atividades que auxiliariam em atividades de convivência, de cultivo de amizades, de encontros, de divertimentos, de defesa e de segurança, de cultivo de valores mentais, intelectuais, espirituais…

Com o passar do tempo, o ser humano adquiriu sempre mais conhecimentos, esclarecimentos sobre si mesmo, sobre a natureza que lhe oferecia tantas coisas e oportunidades em sua existência. Pouco a pouco, convenceu-se que, valia a pena, superar a lógica da indiferença diante da realidade concreta. A partir dessa medida existencial, começou a investir e construir relações socioculturais sempre mais fundadas no cuidado de si, das próprias relações com os outros e com o ambiente circunstante.

Essa transformação dos relacionamentos, evidente, não foi tão tranquila e serena. Custou-lhe muito tempo e lutas interiores e também com os demais que nem sempre concordavam em vivenciar a lógica do cuidado. As tendências de apossar-se, de usufruir ao máximo o que tem a disposição, explorar, dominar, sem partilhar… do ser humano não são tão fáceis de controlar, equilibrar e harmonizar com a totalidade e a unidade.

Todavia, a experiência foi lhe oferecendo exemplos que o cuidado de si, das relações socioculturais e da natureza retribuíam com ganhos, frutos, benefícios que lhe rendiam mais conforto e bem-estar pessoal e social. Evidente que tal atitude efetiva do assumir a lógica do cuidado não foi unanimidade, longe disso, abriu, porém, o caminho para aperfeiçoar essa via de convivência sociocultural.

Na mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2021, o Papa Francisco, no longo texto, o Papa faz uma “gênese” da cultura do cuidado desde os primórdios da criação, como narram vários episódios bíblicos. E nos lembra que “o Cristianismo ajudou a amadurecer o conceito de pessoa, a ponto que hoje podemos dizer que ‘toda a pessoa humana é fim em si mesma, e nunca um mero instrumento a ser avaliado apenas pela sua utilidade: foi criada para viver em conjunto na família, na comunidade, na sociedade, onde todos os membros são iguais em dignidade. E desta dignidade derivam os direitos humanos.

Se o ser humano tem direitos, tem também deveres, como o cuidado dos mais vulneráveis e também da criação. Para o Papa Francisco, todos esses princípios elucidados na mensagem constituem uma bússola para dar um rumo comum ao processo de globalização, “um rumo verdadeiramente humano”. E diz também “através desta bússola, encorajo todos a tornarem-se profetas e testemunhas da cultura do cuidado, a fim de preencher tantas desigualdades sociais.”

Toda a mensagem do Pontífice, enfim, é estruturada para afirmar o princípio de que não há paz sem a cultura do cuidado. “Neste tempo, em que a barca da humanidade, sacudida pela tempestade da crise, avança com dificuldade à procura dum horizonte mais calmo e sereno, o leme da dignidade da pessoa humana e a «bússola» dos princípios sociais fundamentais podem consentir-nos de navegar com um rumo seguro e comum. Como cristãos, mantemos o olhar fixo na Virgem Maria, Estrela do Mar e Mãe da Esperança. Não cedamos à tentação de nos desinteressarmos dos outros, especialmente dos mais frágeis”, é o apelo final do Papa.