Deus e sofrimento
Na Bíblia, há um livro que aborda o tema. É o Livro de Jó. Aí está, em parte, a tradição judaica cristã a respeito do sofrimento. É um dos textos mais impressionantes da História da Humanidade. O texto é uma espécie de discussão sobre Deus. Jó sustenta que seus sofrimentos são imerecidos e injustos. Ele […]
Na Bíblia, há um livro que aborda o tema. É o Livro de Jó. Aí está, em parte, a tradição judaica cristã a respeito do sofrimento. É um dos textos mais impressionantes da História da Humanidade. O texto é uma espécie de discussão sobre Deus. Jó sustenta que seus sofrimentos são imerecidos e injustos. Ele não sabe o que fazer ou como explicar seus sofrimentos. Serão castigo de Deus ou Deus é injusto.
Seus amigos, no entanto, imbuídos de certa mentalidade religiosa acusam Jó de blasfêmia por pensar desta maneira. E o forçam a reconhecer-se culpado. Jó, então, percebe que o drama é maior. Pois, não só ele sofre, mas todo o mundo está imerso em dores e sofrimentos injustos porque é um mundo onde a maldade sempre acaba triunfando. Jó tem uma visão pessimista. Portanto, não há espaço para Deus, porque esta situação de maldade não combina com a vontade de Deus. É contrário a ela.
Todavia, quando Deus, no Livro de Jó, toma a palavra, aparentemente retoma as algumas posições dos amigos, ao referir-se ao mistério da Criação de tudo e do ser humano. Não obstante, critica duramente os amigos de Jó por ter atribuído o sofrimento de Jó como castigo de Deus. Por isso o julgamento de Deus contra eles será tão severo que só poderão se salvar se o próprio Jó, a quem maltrataram, interceder por eles.
Desta forma, deveria estar resolvido o problema do relacionamento entre Deus e o sofrimento. A mentalidade religiosa, que os bens seriam um prêmio de Deus e os males (sofrimentos…) seriam um castigo do mesmo Deus, deveria ter sido superada. Infelizmente, após tantos séculos, inclusive, com o complemento acrescido pela proposta da Boa Nova do Reino trazida por Cristo, ainda perdura a mentalidade pseudo-religiosa, crendo da mesma forma que os amigos de Jó. Sobretudo, em algumas denominações pentecostais e neopentecostais. Mas, também há esta mentalidade religiosa, em algumas expressões católicas.
Claro que este modo de pensar e de agir não condiz com o Deus da Revelação. Portanto, nada tem a ver com o Deus bíblico, com o Deus de Jesus Cristo. Também, evidentemente, não é o Deus da Teologia católica. Ter os bens materiais como prêmios e sofrimentos como castigos, portanto, vê-los apenas desta forma é uma atitude radicalmente anticristã. Mais ainda, é uma das maiores propagandas do ateísmo. É dar-lhe base lógica para algumas de suas afirmações.
Valha como conclusão desta consideração deste sumário comentário, por mais que seja escandaloso o tema do mal no mundo, não tem explicação plausível, fazendo dele um castigo de Deus. Seria, evidentemente, colocar mal o problema de Deus e comprometê-lo para sempre. O crente poderá dizer que crê em Deus apesar da existência do mal no mundo; mas nunca pode crer em Deus como explicação de todos os males deste mundo. A vivência da fé que brota da experiência do encontro pessoal com a Pessoa e de sua proposta de vida, sem dúvida, auxilia, de modo impar na maneira de enfrentar os males e, principalmente, o sofrimento que é companheiro inseparável de toda pessoa.
(Este artigo já publiquei, em 2015, mas, observando a realidade sociocultural mundial e nacional, achei oportuno renovar essa reflexão).