Sociedade sem pais
A rejeição do pai (e da mãe), por parte de muitos de nossos contemporâneos, tem suas raízes na Sociedade e Cultura que gestou a nossa vida sociocultural atual. Portanto, está na chamada Modernidade. Período que, a grosso modo, inicia-se com a Renascença ou Renascimento e se estende praticamente até o final do século 19. Por isso, sempre dizia para os meus alunos do Curso de Filosofia que, sem conhecer bem a História da Filosofia Moderna, torna-se muito difícil compreender a realidade sociocultural contemporânea.
A Sociedade e a Cultura apresentam esta rejeição dos pais, de maneira explícita, às vezes. Outras, de modo velado. Essa rejeição pode ser uma rejeição individual ou coletiva. A individual, comumente, é resultado de relações humanas familiares malconduzidas ou ausentes parcial ou totalmente. Sem dúvida, é nesse ambiente familiar que muitas de nossas condutas que fazem parte de nosso comportamento sociocultural têm sua configuração e manifestação.
O processo de emancipação de cada pessoa da figura do pai (e mãe) realizou-se também em nível coletivo ou social, nos tempos da Modernidade. A mentalidade racionalista, iluminista, positivista que se impôs, gradativamente, ao longo da Modernidade gestou o secularismo e o ateísmo. Em outras palavras, foi desterrando da Sociedade e da Cultura, aos poucos, mas, com perseverança e pertinácia, a ideia de um Deus Criador e Pai (a visão judaico-cristã). Deste modo, o Sagrado (a fé num Deus transcendente foi substituída por um deus imanente no mundo natural) e o Deus-Pai, praticamente desapareceu da vida sociocultural e substituído pelo Estado, Partido…
Desta forma, a figura do pai (e mãe) que que ama, que dialoga, que conforta, que perdoa, que gera vida… foi substituído, quase por compensação, da negação programática da dependência de Alguém mais alto, passou-se à procura de ídolos, ou seja, de mesquinhos “substitutos do pai”, que vão assumindo a figura do chefe carismático, do partido-guia, da ideia de progresso, de salvador do povo, solucionador de todos os problemas….
Assim, o processo chega à demonstração da negação explícita de Deus, entendido como Pai e Senhor. Instala-se, na Sociedade e na Cultura, um ateísmo programático, que não é outra coisa do que o esforço de emancipação total. Por consequência, a “morte de Deus” pareceu condição necessária para a vida e a glória do ser humano. Pretendeu-se a libertação de um Deus (Criador e Pai) entendido como árbitro despótico ou indiferente ou inerte. Colocou-se, porém, a Razão, a Ciência, a Ideologia … como substitutas do Deus Pessoal e Pai, para emancipar o ser humano do medo e torná-lo senhor de si, seu patrão, senhor do mundo que conquistou com sua inteligência.
Mas essa pretensão da Ideologia da Modernidade destruiu-se a si mesma na fumaça dos fornos crematórios nazistas e nos genocídios de Stalin, Mao Tse-Tung…
Apesar dessas consequências desastrosas dessa ideologia, no século 20, todavia, a figura do pai (mãe), infelizmente, não foi reabilitada e continua sendo uma ausência, na vida sociocultural contemporânea. Embora se tente disfarçar, na prática da vida cotidiana, porém, por medidas justificadas com belas narrativas e “medidas educativas”, corroboradas pela Ciência e em nome do progresso, vão sendo propostas.
Desta forma, a Sociedade e a Cultura se estruturam sem a figura do pai e da mãe, com as consequências que já estamos sentindo e vivendo, em nossos dias.