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Vida feita de muros e pontes

Nasci, cresci e vivi em ambiente que não existiam muros. Só havia cercas para os animais domésticos e cercados para galinhas, patos, porcos. Ambiente rural. Casa sem muros. Hoje, a realidade é outra. Muros sempre mais altos e fortes. Alguns com cacos de vidro ou cercas elétricas. Tentativa de se resguardar ao máximo. Até nas […]

Nasci, cresci e vivi em ambiente que não existiam muros. Só havia cercas para os animais domésticos e cercados para galinhas, patos, porcos. Ambiente rural. Casa sem muros. Hoje, a realidade é outra. Muros sempre mais altos e fortes. Alguns com cacos de vidro ou cercas elétricas. Tentativa de se resguardar ao máximo. Até nas regiões urbanas não havia todo esse aparato de defesa. Até as crianças podiam brincar na rua em frente à casa. Será que essa mudança de ambiente físico afetou o comportamento humano? Não tenho elementos sólidos para dizer sim ou não categóricos. Mas, dá para fazer algumas considerações empíricas que parecem que têm alguma relação. Vejamos.

Na realidade sociocultural sem muros, havia efetivamente mais comunicação entre a vizinhança. Sem falar da solidariedade, sobretudo, em momentos especiais da vida, como necessidades prementes, enfermidades, falecimentos…. De fato, o muro físico tem essa função: ao mesmo tempo que protege das ameaças externas, o muro também impede de ver quem está do outro lado e o que há além do muro. Não havia muros. Agora estou me servindo da palavra “muro”, como sinônimo de barreira psicológica e sociocultural, defesa, guarda, desconfiança de tudo, precaução, fechamento, isolamento, se houver comunicação será dificultada ao máximo e mediada pela técnica impessoal. A regra parece ser: “Cada um no seu pedaço”.

Se não há engano no meu modo de refletir, parece-me que a realidade sociocultural hodierna retrata em grande parte essa realidade de isolamento, fechamento, desconfiança generalizada, medo de tudo e de todos, comunicação pessoal foi substituída, em grande parte, pela informática e assim por diante. Muros e mais muros. Começamos a “ver” a realidade que nos cerca e a realidade humana com outros “olhos”. Olhos cheios de preconceitos, indiferença, miopia social, de julgamentos rápidos e sem fundamentos sólidos, que frequentemente transmitem rancor, raiva, até ódio…. Se não fazemos isso face a face, fazemos nos servindo dos meios de comunicação social, principalmente, via celular nas redes sociais. Alimentamos um ambiente sociocultural de muros como ameaças, combate, destruição dos que estão do outro lado.

A Campanha da Fraternidade 2020 pretende auxiliar na demolição de alguns muros, ao menos, tentando para fazer refletir que o ser humano, a realidade contemporânea, está necessitado mais de pontes do que muros. Todos sabemos para que serve a ponte. Unir as margens. Em outras palavras, acabar com as margens isoladas, separadas e uni-las, relacioná-las. Trazendo a imagem para as relações humanas, tentar fazer refletir e descobrir ou redescobrir o valor da solidariedade, da comunicação pessoal, do cuidado, da presença do outro (a) em nossa vida, da entreajuda, da fraternidade, do amor…

Fazer pontes significa olhar do outro lado do muro para ver o que acontece e quem está e por que está lá. Ultrapassar a mentalidade do muro e, com a devida cautela, assumir a mentalidade dos que constroem pontes. Não se trata de partir da estaca zero. Se tiver olhos para ver, já existem pessoas, grupos de pessoas que já estão dando sua contribuição na construção de pontes. A CF2020 nos dá um belo exemplo nosso, brasileiro, a Santa Dulce dos Pobres e muitos outros exemplos. Quantas pontes construíram, com muitas dificuldades e esforços, mas eficiência e eficácia. Souberam passar da mentalidade de muro para a mentalidade de ponte. Santa Dulce dos Pobres não é a única, evidentemente.