Padre brusquense que estudou arquivos secretos do Vaticano fala sobre Papa Francisco: “Ele falava com os pobres”

Marcial Maçaneiro esteve na Cidade do Vaticano inúmeras vezes

O jornal O Município conversou na manhã desta terça-feira, 22, com o padre brusquense Marcial Maçaneiro, que em 2020 teve acesso aos Arquivos Secretos do Vaticano. Na entrevista, ele compartilhou sua vivência próxima aos bastidores do Vaticano e seu olhar teológico sobre o legado de Francisco.

Papa Francisco, nascido Jorge Mario Bergoglio, faleceu na segunda-feira, 21, em decorrência de um AVC (Acidente Vascular Cerebral) e insuficiência cardíaca. O corpo do Papa será levado da Capela da Casa Santa Marta até a Basílica de São Pedro, no Vaticano, na quarta-feira, 23, às 4h (horário de Brasília).

Sacerdote e estudioso

Aos 58 anos e com mais de três décadas dedicadas ao sacerdócio, Marcial possui uma trajetória de atuação internacional. Especialista em diálogo inter-religioso e doutor em teologia, Maçaneiro atua desde 2010 como membro do Diálogo Internacional Católico Pentecostal, com nomeação renovada pelo Vaticano a cada cinco anos.

Além disso, o sacerdote integra a delegação da Santa Sé no Global Christian Forum. Recentemente, concluiu um pós-doutorado sobre a relação entre a Igreja Católica e o povo judeu, “uma releitura histórica e teológica em superação do antissemitismo”, como define.

A pesquisa, que levou padre Marcial a Roma durante o pontificado de Francisco, integrou seu pós-doutorado pela Universidade Católica Portuguesa. O convite para o estudo partiu da própria instituição e também do cardeal José Tolentino, arquivista do Vaticano.

Aprendizados em Roma

Durante uma temporada em Roma, hospedado no próprio Vaticano, o padre vivenciou o cotidiano do pontificado de Francisco.

Ele relata que, ao final do trabalho, desmontou seu antigo quarto, onde sua biblioteca pessoal estava desde 2018: “fui no verão de Roma com uma mala pequenininha e voltei para o inverno brasileiro com tudo que eu tinha de roupa de frio, bota, agasalho, os livros”.

Entre as interações marcantes com o Papa, destaca-se a troca de correspondência motivada pela encíclica Laudato Si’, lançada em 2015. Antes disso, em 2011, Maçaneiro já havia publicado o livro Religiões e Ecologia, pelas Edições Paulinas. Ao perceber a sintonia temática com o documento papal, enviou a obra como presente.

“Disse: ‘Olha, o senhor escreveu a encíclica, eu tô tratando do tema já desde 2011. Queria expressar a minha alegria, a minha adesão ao seu pensamento, e tô trazendo isso pras universidades’”, conta.

Como resposta, recebeu uma carta pessoal do Papa, agradecendo o presente. “Foi pessoalmente, porque ele cuida disso. Claro que tem secretários, mas ele toma ciência. Não é uma coisa postiça”. Anos antes,

Marcial já havia tido uma breve interação com Jorge Mario Bergoglio em Buenos Aires, antes mesmo de ele ser nomeado Papa. “Foi rápida, mas marcante. É interessante pensar que, mesmo ali, ele já parecia predestinado”.

Legado de Francisco

Para Maçaneiro, Francisco consolidou e deu novo fôlego a temas que vinham sendo tratados pontualmente por seus antecessores, como meio ambiente, migração, pobreza e guerras.

“Ele recolhe o que todos falaram antes e dá um salto, desenhando o futuro. Ele não faz um diagnóstico do planeta Terra, mas um prognóstico: o planeta está assim. O que nós podemos fazer para uma intervenção positiva nisso?”, analisa.

Entre os legados mais marcantes de Francisco, Maçaneiro destaca três pilares: a causa ambiental, a transparência administrativa e moral, e o diálogo.

Ele cita como exemplo a fundação do Banco do Vaticano: “o Papa Francisco fundou um banco de verdade, com todas as normas de ética, sindicância, lisura e transparência financeira, segundo as normas da União Europeia”.

Do ponto de vista moral, o padre ressalta a reformulação dos processos internos, como o método de consulta para nomeação de bispos e o enfrentamento dos casos de abuso: “hoje há um grande cuidado público, jogar aberto, como se diz, a respeito dos casos de abuso e a reparação desses casos. Prevenção de novos casos e reparação dos anteriores”.

Ainda que não tenha se encontrado pessoalmente com o Papa durante sua última estadia em Roma — embora tenha participado de jantares nos jardins do Vaticano —, o padre brusquense guarda com carinho a correspondência recebida, e mais ainda, o exemplo deixado por Francisco.

“Havia um jantar em que ele se reuniria conosco, mas não pôde comparecer devido a problemas nos joelhos. Estava passando por um tratamento intenso de fisioterapia. Ainda assim, fez questão de escrever um bilhete à mão, justificando sua ausência e agradecendo nossa presença. No domingo seguinte, mencionou nossa comitiva durante a celebração na Praça de São Pedro. Esse cuidado com os detalhes sempre marcará a trajetória dele”.

Para Marcial, Francisco valorizava o encontro de ideias. Estudava os temas com profundidade e sempre se fazia presente nas discussões.

“Ele não falava sobre os pobres, falava com os pobres. Ele não falava sobre os jovens, falava com os jovens. Ele vivia o que pregava. Ele tinha essa radicalidade relacionada ao que o próprio Evangelho prega. Ele amava a todos, sem distinção, assim como Jesus fez. Esse é o seu legado”.

Futuro da Igreja

Ao refletir sobre o processo que se aproxima com a possível sucessão papal, o padre comenta as chamadas congregações gerais, encontros prévios ao conclave: “é um momento para sentir o pulso da Igreja, com os cardeais vindos das suas regiões. Eles começam a ter o mesmo horizonte para discernir”.

Segundo ele, o que se desenha nesse processo é o perfil do próximo Papa. “Poucas instituições do mundo conseguem ver o mundo como a Igreja vê. Não há margem para erros aqui. É um agudo senso de responsabilidade no coração dos cardeais. Diante de Deus e da humanidade. Não vejo possibilidade de escolherem um Papa que não conversasse com o mundo, que não estivesse atento as questões atuais como Francisco sempre esteve”.


Assista agora mesmo!

Como o atentado de 11 de setembro quase afetou abertura do Alivia Cuca, famoso bar de Brusque: