Perdas e traumas da enchente de 1984 ficam nas memórias dos brusquenses
Conheça os relatos de quem passou por horas de terror durante a inundação
A aposentada Sandra Maria Diegoli, 68 anos, não imaginava que o rio Itajaí-Mirim subiria tão violentamente em 6 de agosto de 1984. Muito menos que, naquele dia, a história da família dela mudaria para sempre.
A inundação que assolou Brusque ficou marcada pela subida rápida do rio Itajaí-Mirim. De um dia para o outro, a cota chegou a 10,3 metros.
Segundo ela, no sábado à noite, dia 4, parte da cidade participava de uma festa em um baile de debutantes. O dia, que tinha sido de comemoração pelo aniversário da cidade e de céu azul, encheu-se de nuvens carregadas.
Ela relembra que a chuva começou na madrugada de domingo, 5, enquanto a festa terminava. “Começou às 4h da manhã, torrencial. Foi o domingo inteiro”, conta.
Sandra tinha 33 anos na época. Ela era casada com o analista de custos Celito José Diegoli, de 37 anos, e ambos viviam com os quatro filhos, a mais velha com 16 anos e o mais novo com 3, no Centro da cidade.
De acordo com Sandra, Celito tinha planos de fazer uma viagem de negócios ao Oeste do estado, naquela segunda-feira de manhã.
“Ele ia ser gerente de uma área da empresa. Fui levá-lo na rodoviária, pois o motorista não era daqui e ia buscá-lo lá. Quando chegamos mais ao Centro, às 6h da manhã, já não dava para passar, as ruas estavam alagadas e já tinha água na rodoviária”, relembra.
Celito logo pediu para voltar para casa, pois sentia que a inundação chegaria até lá. A residência da família fica até hoje na rua Afonso Pena. “Até o fim eu dizia que não viria água aqui, eu não acreditava”, conta.
A família, então, começou a recolher os suprimentos e materiais de valor para levar até o sótão do sogro, Rudi Diegoli, que morava ao lado. De acordo com Sandra, Celito começou a apertar um dos braços contra o corpo, na região do estômago. Ele também reclamava de dor.
“Eu disse para ele ir ao médico, antes da água chegar até aqui. Eles achavam que era úlcera, ele se enganava, dizendo que era isso”, relembra.
Celito pegou o Passat da família e dirigiu até a rua João Bauer. Na esquina com a rua Felipe Schmidt, ele sofreu um infarte fulminante e subiu com o carro na calçada. “Era insuficiência cardíaca, ninguém sabia”, explica Sandra.
De acordo com a aposentada, um amigo da família passou pelo veículo e encontrou Celito desmaiado, ainda dentro do veículo. Outra pessoa parou e ele foi levado para o Hospital Evangélico, o atual Hospital Imigrantes. “Tentaram revivê-lo, mas não adiantou”, conta.
Sandra recorda que levaram ela ao hospital, e a única informação que tinha era que o marido estava mal. “Quando cheguei lá, tinha um irmão dele na porta chorando, aí tive a certeza que ele tinha morrido. Quis entrar, mas me seguraram”, relata Sandra.
“Entrei em choque, vendo a água chegar, o marido morto, uma coisa assim é um pesadelo”, diz.
Celito foi velado na casa do irmão, próximo ao hospital, a família também ficou por lá. Durante o dia e noite daquela segunda-feira, o rio foi subindo cada vez mais.
Noite de terror
Não há um registro oficial de pessoas atingidas com a inundação, mas segundo informação divulgada pelo jornal O Município, na edição de 17 de agosto de 1984, cerca de 20 mil pessoas ficaram desabrigadas.
“Foi uma noite de terror. A gente escutava os gritos de socorro, os estouros de transformadores enormes de energia. Foi terrível”, relembra Sandra.
Na terça-feira, Celito foi enterrado no Cemitério Evangélico, pois a cheia do rio impedia a chegada ao cemitério católico Parque da Saudade.
“Ele ficou ali. Perguntavam-me o motivo de não levar ele depois para lá, deixei ele ali porque ele gostava do lugar. Ele tinha morrido e não fazia diferença se ele estivesse ali ou lá”, relata.
Ao retornar, Sandra e seus filhos encontraram a casa destruída. De acordo com a aposentada, subiu 1,5 metro de água dentro da residência. A família precisou fazer a limpeza e a reconstrução, apesar do luto.
Perdas
Sandra recorda que, antes das águas subirem, a família era regada a música. “Os irmãos se reuniam todos aqui”, lembra. O sogro dela fazia parte da Jazz Band América, uma união da família Diegoli com a família Kireger.
“Foi muito difícil. Jovem, uma vida inteira pela frente, e eu com quatro filhos. Ainda bem que já trabalhava fora na época, foi como criei meus filhos. Hoje estão casados, tenho netos”, ressalta.
Recentemente, a família perdeu a filha mais velha, Elisabeth Diegoli Marques, que faleceu de câncer, em fevereiro.
Os gritos
No outro lado do rio fica a rua Pedro Werner. Segundo relatos da época, foi o local mais atingido pela inundação.
Naqueles dias, Vilson da Silva, 60, pipoqueiro há 47 anos no Centro da cidade, tinha 25 anos e morava com a mãe e irmãs em uma casa de madeira naquela rua. Elas foram para um local seguro quando o rio começou a transbordar.
O momento que se estendeu da noite de segunda, 6, e madrugada de terça-feira, 7, foi infernal para ele. “É muito ruim de lembrar”, afirma.
Segundo Vilson, ele ficou na residência para cuidar dos pertences da família, mas não imaginava a catástrofe que viria pela frente. Em certa hora, durante aquela segunda, não tinha mais como ele sair de lá. Estava ilhado na própria casa.
A água continuou a subir e, para se proteger, Vilson subiu no telhado, onde ficou a noite inteira. “Enquanto caíam os pilares, eu gritava por socorro. Eu só pensava em Deus, passei a noite berrando”, conta.
Segundo Vilson, durante a noite, ouvia-se os gritos de outras pessoas, que eram socorridas.
Entretanto, para ele, a situação era mais complicada, pois a correnteza era muito forte por lá e o resgate não chegava. “Não tem como se salvar, não há barco que ia lá”, explica.
Segundo ele, o maior susto foi com um forte estrondo na madrugada, com uma avalanche de água em seguida. “Quando caiu o muro do Carlos Renaux, da rodoviária, foi tudo embora, até as coisas que o vizinho tinha deixado lá. Pensei que iria morrer”, relembra.
Ele somente conseguiu sair de lá na terça-feira ao meio dia, quando a água começou a abaixar.
Para ele, o que veio em seguida foi a reconstrução. “Prefeitura ajudou, os amigos ajudaram. Levantamos a casa, colocaram um pilar e fizemos tudo de novo”, conta.
Hoje, Vilson mora com a família no bairro Guarani. Mesmo 35 anos mais tarde, ao relatar a história, demonstra-se relutante. “Essas histórias são muito tristes de se contar”, finaliza.