Por que é difícil evitar alta rotatividade de médicos na saúde pública da região
Apesar da remuneração alta, falta de estrutura e interesse em especializações afastam profissionais do SUS
A valorização da atenção primária na saúde é muito importante para que a saúde pública melhore e os hospitais fiquem menos lotados. Peça fundamental neste contexto é o médico das Estratégias de Saúde da Família (ESF), que tem a responsabilidade de cuidar dos pacientes quando a doença ainda é inicial e tem mais chances de ser controlada.
Mas muitos municípios encontram dificuldades justamente nas ESF, pois a rotatividade de médicos é grande. O Município fez um levantamento sobre quanto é o salário inicial desses profissionais nas 12 maiores cidades do estado e na região, já que a remuneração é, por vezes, apontada como a principal causa da debandada de médicos dos municípios.
O levantamento foi feito com base em informações colhidas em portais da transparência e, na maioria dos casos, diretamente com as prefeituras.
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A única exceção foi a Prefeitura de Criciúma, que, apesar de vários contatos com diversos setores, não quis informar por telefone nem por e-mail o salário inicial de médico de ESF com 40 horas semanais, como todos os outros municípios o fizeram.
Foi escolhido o médico de ESF porque é ele que primeiro atende os pacientes mais comuns, como os diabéticos e portadores de doenças crônicas.
Os salários iniciais incluem não só o salário em si, mas adicionais por produtividade e insalubridade, por exemplo, conforme informado pelas prefeituras. Só não entraram na conta benefícios como o vale-alimentação.
“O que nos deixa apreensivos são as desistências, não a falta de médicos”, Humberto Fornari, secretário de Saúde de Brusque
O salário mais alto pago entre as 12 maiores cidades do estado, em termos de população, é em Palhoça, na Grande Florianópolis. O médico por lá recebe mais de R$ 18 mil mensais.
Cidade mais populosa de Santa Catarina, Joinville vem logo atrás, com R$ 17,6 mil. Blumenau e Itajaí também pagam mais de R$ 16 mil.
Jaraguá do Sul e São José remuneram seus médicos com mais de R$ 15 mil. Brusque fica atrás dessas cidades, pois paga em torno de R$ 14 mil.
Rotatividade
O senso comum diz que a falta de médicos nos postos de saúde das cidades é fruto da baixa remuneração no SUS. De fato, muitos saem por salários maiores, mas como especialistas, ou para atender na rede particular.
O levantamento mostra que as maiores cidades pagam relativamente bem os seus médicos. O secretário de Saúde de Brusque, Humberto Fornari, chama a atenção para o fato de que o preocupante para o poder público não é a falta de médicos, mas a rotatividade.
No SUS de Brusque, não há falta de médicos nas Estratégias de Saúde da Família, segundo Fornari. Mas existe um troca-troca que começa em dezembro e vai até março.
É neste período que muitos médicos recebem resposta sobre suas inscrições em residências (especializações). Há uma debandada geral dos aprovados e a prefeitura se vê na obrigação de chamar mais profissionais.
Nem sempre as chamadas surtem efeito porque muitos dos inscritos também já foram para residência médica. Essa rotatividade é prejudicial não só para a prefeitura, mas para os pacientes.
A relação médico-paciente é forjada na base da confiança. Ainda mais nos postos de saúde, é muito importante o profissional conhecer as pessoas e seus históricos. Isso é quebrado quando muda o médico.
“A grande batalha é fazer concurso, não processo seletivo. Porque, no concurso, a pessoa vem para assumir, não para assumir lacuna de projeto pessoal. O que nos deixa apreensivos são as desistências, não a falta de médicos”, resume Fornari.
Salários na região não estão entre os mais altos
O levantamento também elencou os salários dos médicos de ESF com carga horária de 40 horas semanais nos municípios da região. As remunerações não são das mais altas.
Depois de Brusque, São João Batista é que melhor paga seus profissionais: R$ 12 mil. Botuverá vem logo atrás, com mais de R$ 11 mil. Guabiruba e Nova Trento ficam na faixa um pouco abaixo dos R$ 11 mil.
A secretária de Saúde de Guabiruba, Patrícia Heiderscheidt, diz que os problemas com os médicos eram comuns há algum tempo. A cada ano, havia desistências de profissionais que partiam para a residência médica.
O município ficava a ver navios. O posto de saúde ficava sem médico, no mínimo, por algumas semanas, e a população era prejudicada.
Patrícia diz que a situação mudou com o Mais Médicos, iniciado em 2013. Dos seis médicos de ESF de Guabiruba, quatro são do programa do governo federal.
“No Mais Médicos, não tem essa rotatividade”, revela a secretária de Saúde. Os outros dois médicos estão há bastante tempo na cidade e, por isso, também não causam rotatividade.
Só houve troca de médicos recentemente porque os profissionais cubanos que atendiam pelo Mais Médicos foram embora. Mas outros médicos brasileiros já assumiram as vagas deles.
Atenção Básica vai além de pagar bem os médicos
Especialistas em saúde pública são praticamente unânimes ao afirmar que é preciso investir no atendimento primário para evitar problemas mais graves na média e alta complexidade.
A fala de James Macinko, professor e pesquisador da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, durante evento da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), em abril de 2018, destaca essa importância.
“Hoje, tem essa parte de judicialização contra profissionais que também está grande, e o juiz nem sempre entende isso”, Sidnei Bellé, presidente do Cosems
“Não existe sistema de saúde perfeito. Mas as melhores evidências mostram que um sistema baseado na atenção primária à saúde, com forte investimento nesse setor, vai ter melhores resultados, maior equidade e menor crescimento de despesas em saúde, comparado com outros sistemas que não têm essa base”, afirmou o especialista.
Ele apresentou uma série de evidências científicas sobre o impacto da Atenção Primária à Saúde na redução das desigualdades e na melhoria dos indicadores de saúde no Brasil e no mundo.
Estrutura
O presidente do Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde (Cosems), Sidnei Bellé, afirma que pagar bem é o principal, mas outros fatores influenciam na permanência dos médicos no interior.
Bellé, que é secretário de Saúde de Caibi, no Oeste do estado, conta que, prova disso, é que há cidades no interior que pagam R$ 24 mil para o médico e ainda assim há dificuldades.
O secretário diz que muitas cidades têm de dar um jeito e aprovar leis que autorizam servidores da saúde a receber mais que o prefeito, para tentar atrair médicos pela remuneração mais alta.
“É uma dificuldade manter o médico no município. Por um lado, percebemos que o médico não tem muitas condições, não tem raio-x, equipamentos. A população é pequena para isso”, avalia Bellé.
A falta de infraestrutura é importante para os médicos. “Nem todos os médicos querem se arriscar, porque, numa emergência, tem um período longo até chegar a um pronto-socorro. Nem todos têm essa coragem de estar lá nos lugares mais distantes”, afirma o presidente do Consems.
Além de terem de lidar com postos de saúde sem quase nada e município de referência distantes mais de 50 quilômetros, em alguns casos, os médicos que aceitam os desafios de trabalhar nas localidades do interior colocam seus nomes na berlinda.
Bellé conta que existe o medo da judicialização. Os profissionais teme que, se um paciente morrer durante o seu atendimento ou no caminho para um pronto-socorro, possam ser responsabilizados na Justiça.
“Hoje, tem essa judicialização contra profissionais, que também está grande, e o juiz nem sempre entende isso”, declara o presidente do conselho estadual e secretário de Saúde.
Para Bellé, a solução para este problema passa pela melhora da rede de saúde dos municípios de referência das microrregiões. Ele entende que é preciso que cidades maiores tenham hospitais mais bem equipados para atender os municípios menores e dar suporte à atenção básica.
Região
Os municípios da região de Brusque levam vantagem por estarem numa das áreas mais ricas e populosas do estado. Na microrregião, a infraestrutura médico-hospitalar é melhor do que na maior parte de Santa Catarina.
Humberto Fornari, o secretário de Saúde de Brusque, diz que as Estratégias de Saúde da Família do município estão entre as mais bem avaliadas. “Salário é importante, localização também é muito importante, mas acima de tudo a qualidade da UBS, a equipe que vai compor o auxílio”.
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A rede de saúde pública, apesar dos problemas, é melhor na região. Brusque tem dois hospitais que atendem também Guabiruba e Botuverá via SUS e particular, Nova Trento e São João Batista contam com um hospital filantrópico cada.
Outro fator que joga a favor da região é a localização. As cidades ficam mais perto do litoral e dos grandes centros, como Florianópolis.
Os médicos ganham bem e também buscam locais onde podem ter qualidade de vida compatível com essa remuneração.